O Bangladesh e os Processos Eleitorais que não são Eleições

O Bangladesh foi a votos no penúltimo dia de 2018. Recuso-me a chamar de eleições ao que aconteceu no Bangladesh, optando antes pelo mais complicado epíteto de processo eleitoral confirmatório e não electivo. Poderia optar pela expressão falácia eleitoralista, mas acho que esta é demasiado redutora para percebermos a riqueza do que ocorreu no Bangladesh.

Comecemos por conhecer a natureza do sistema político do Bangladesh. O Parlamento do Bangladesh, de seu nome oficial Jatiya Sangsad, é composto por 350 mandatos, dos quais apenas 300 mandatos vão a votos. Os restantes 50 mandatos são alocados, directamente, a deputadas mulheres em nome de uma maior equidade de género na esfera política.

Os mandatos são alocados usando o sistema de maioria simples, conhecido por o primeiro ganha tudo (do inglês "first past the post"), similar ao que se usa nas eleições britânicas, que de resto serviu de inspiração ao modelo eleitoral em uso. Perto de 100 milhões de eleitores foram então chamados a votar no dia 30 de Dezembro de 2018.

O mês de Dezembro foi marcado por vários episódios de violência com quase uma dezena de mortos, mais de 1.100 feridos e várias centenas de detidos (mais de 800, dizem algumas agências noticiosas). No dia antes das eleições foram suspendidas as comunicações móveis no país. No dia das eleições episódios de violência levaram à morte de 17 pessoas.

A eleição colocava em confronto três grandes coligações: 1.) a Grande Aliança, liderada pela Primeira-Ministra Sheikh Hasina; 2.) a Frente Jatiya Oikya, liderada por Kamal Hossain (que boicotara as eleições de 2014); e a Aliança Democrática de Esquerda, que boicotou o processo eleitoral de 2018 e assim perdeu todos os mandatos que conquistara em 2014.

A Liga Awami, partido da Primeira-Ministra e motor central da Grande Aliança, conquistou 257 mandatos dos 300 mandatos em disputa. Um aumento de 23 mandatos, em relação à eleição de 2014, apesar da redução na percentagem de votos que baixou dos 79.1% para os 76.9%.

O segundo partido mais votado, o Partido Jatiya, não foi além dos 22 mandatos conquistados, perdendo 12 mandatos em comparação com 2014. Este partido anunciou, a 4 de Janeiro, que iria juntar-se à Grande Aliança da Primeira-Ministra Hasina. Mas a 5 de Janeiro decidiu que iria antes liderar a enfraquecida oposição no Jatiya Sangsad.

Frente Jatiya Oikya, uma coligação com mais de dez partidos, não foi além dos 7 mandatos conquistados. Um processo eleitoral marcado por acusações de manipulação eleitoral, com resultados que minam o objetivo de qualquer ciclo eleitoral (isto é, tomar o pulso das diferentes visões e projetos políticos no seio do Estado) e marcado por vários episódios de violência gerou uma reacção negativa da comunidade internacional, certo?

Errado! É um facto que os observadores eleitorais enviados pela União Europeia fizeram um relatório no qual apontaram algumas irregularidades no processo eleitoral, mas a União Europeia foi incapaz de rejeitar o escrutínio... de resto, já em 2014 a União Europeia aceitou o resultado das eleições apesar dos boicotes e da imensa violência que as mesmas geraram.

Mais assertiva foi a reacção da Índia, da China, da Rússia e da Arábia Saudita. Os líderes destes estados, bem como de vários estados vizinhos como o Butão, o Sri Lanka e o Nepal, volvidas 24 horas ligaram à Primeira-Ministra Hasina a felicitá-la pelo resultado eleitoral. Sheikh Hasina prepara-se para re-confirmar as suas credenciais como a Primeira-Ministra com maior longevidade política na História do Bangladesh independente.

Hasina conta com quase duas décadas de governação (com um primeiro mandato entre 1996 e 2001 e um segundo ciclo iniciado a 6 de Janeiro de 2009), num país que ainda nem celebrou cinco décadas de soberania plena, e um largo currículo no qual as palavras democracia, eleições, liberdade são meros enfeites de ocasião. Hasina também prova que o género em nada influencia nos estilos governativos... E o Fidalgo fica-se por aqui.

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