Brexit: do apocalipse ao folhetinismo de má qualidade...

Anda animada a vida para os lados de Westminster... O Brexit, processo desancadeado pela irresponsabilidade política de David Cameron (ex-Primeiro-Ministro do Reino Unido), passou de assunto tenebroso a folhetim político, com um enredo de péssima qualidade e uma paleta de actores que nem o La Féria conseguiria fazer brilhar.

O Brexit começou com uma promessa eleitoral de David Cameron (Partido Conservador), no decurso das eleições gerais de 2015, com o intento de travar o UKIP de Farage. Isto porque em 2014 o UKIP conseguira algo histórico: derrotar Trabalhistas e Conservadores, conquistando mais assentos e mais votos na delegação britânica com assento no Parlamento Europeu. De 73 mandatos disponíveis, o UKIP conquistou 24, os Trabalhistas ficaram-se pelos 20 e os Conservadores de Cameron apenas 19.

Ora, para evitar novo desaire eleitoral prometeu-se o referendo. Os Conservadores lá conseguiram a desejada maioria na eleição geral de 2015 e avançaram para o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Reino Unido que sempre fora um membro suis generis no seio da União, pois que dispunha de uma série de mecanismos de excepcionalidade...

A 23 de Junho de 2016, depois de contados os votos, lá se concluiu que o Reino Unido iria mesmo avançar com o tal Brexit porque 51.9% da população queria Leave e 48.1% queria Remain. E nem podemos falar de pouca representatividade nacional, porque o referendo não andou longe dos 72.5% de taxa de participação. Eleições houve, aqui e além-mar, com taxas bem menos expressivas...

Aquilo que seria uma negociação dura (que o foi), complexa (que o foi), delicada (que o foi) e burocrática (que o foi), desembocou num verdadeiro impasse não entre o Reino Unido e a União Europeia mas entre o Reino  Unido e o Reino Unido. O parlamento britânico vive dias de verdadeira angústia procedimental e existencial. Os últimos dias são aliás prova disso.

No começo de Janeiro (a 15, para ser preciso), Theresa May (Partido Conservador) pôs o seu plano de operacionalização do Brexit à consideração da Câmara dos Comuns. O resultado foi uma colossal derrota, pela margem de 230 votos. 432 deputados contra o plano da Primeira-Ministra e apenas 202 deputados a favor. Tendo em conta que o Partido de May controla 314 lugares, os 202 votos recebidos dizem muito das divisões intra e inter-partidárias.

A Primeira-Ministra foi a Bruxelas e veio de lá com uma mão quase vazia, porque Bruxelas já pouco quer negociar. Theresa May, na terça-feira (12 de Março), propôs que se votasse, pela segunda vez, o seu plano de operacionalização do Brexit. O resultado foi uma nova derrota, desta feita com margem de 149 deputados. Ou seja: 242 deputados a favor do plano de May e 391 deputados contra o plano de May.

Na quarta-feira,  Theresa May (claro está!), propôs um voto sobre se preferiam uma saída da UE sem plano. O resultado? 312 deputados contra a saída sem plano e 308 deputados a favor da saída sem plano. Ou seja a saída sem plano foi rejeitado por uma margem (dramática!) de 4 deputados. Houve depois uma segunda votação, em que se introduziram emendas, que passou com margem mais confortável, mas mesmo assim curta, de 43 votos: 321 a favor e 278 contra.

Confuso? Ainda não acabou... Hoje irá a votos se o Reino Unido deverá pedir uma extensão do Artigo 50 (que prevê a saída de estados-membros da União Europeia), uma vez que este entra em vigor a 29 de Março de 2019. O problema é que a votação favorável da extensão do Artigo 50 passa o jogo para o lado de Bruxelas, e muitos em Bruxelas já exasperam com a indefinição de Westminster.

Pior! Há rumores, bastante sólidos, que indicam que Theresa May vai pedir que se faça uma terceira ronda de votação ao seu plano de saída do Brexit (o tal que já chumbou duas vezes!), mas o intenso-ó-espectacular Speaker (que equivale ao nosso Presidente da Assembleia da República) já anunciou que poderia vetar esse pedido, uma vez que o mesmo vai contra o espírito da Câmara que já rejeitou o plano duas vezes.

E é isto. Um Parlamento que quer sair com plano, mas não com o plano de May, a mesma May que já sobreviveu a várias moções de censura. Um Parlamento que parece não ter entendido ainda que Bruxelas, até pelo timing político (aproximam-se as eleições parlamentares europeias), não quer e não vai ser suave e meiga nas negociações e nas possíveis concessões que fossa fazer. Valha-nos as gravatas e o estilo irreverente do Speaker nesta novela política, sem enredo e com pouco sentido...

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