Vamos falar das eleições presidenciais na Geórgia?

As eleições presidenciais na Geórgia, como de resto ocorre em grande parte dos países Europeus que escolhem o Chefe de Estado por via electiva, fazem uso do Sistema Maioritário a  Duas Voltas. E no caso da última eleição presidencial na Geórgia tivemos mesmo Duas Voltas, mais complicado é aferir se foi mesmo uma "eleição" e se esta foi "democrática".

A primeira volta das eleições presidenciais na Geórgia aconteceu a 28 de Outubro (já lá vão dois meses e meio). Os eleitores georgianos podiam escolher entre um número recorde de 25 candidatos. Diga-se, de resto, que este recorde poderia ter sido dilatado até um máximo de 46 candidatos, mas 21 candidaturas foram barradas pela Comissão Eleitoral de Geórgia, por não cumprirem os requisitos formais mínimos.

Com tanta diversidade de propostas em cima da mesa não foi grande surpresa alguma dispersão de votos e o facto de nenhum dos candidatos chegar aos almejados 50%+1 votos. Aliás, nenhuma candidatura chegou sequer aos 39%, e mais interessante só sete candidatos conseguiram mais do que 1% dos votos. Ou seja, 18 candidatos à Presidência da República da Geórgia não passaram sequer a barreira dos 1% de votos nacionais.

De entre os mais votados destacaram-se três: Davit Bakradze, que em Janeiro de 2017 saira do Movimento de União Nacional para fundar o Geórgia Europeia (movimento político pró-UE e pró-OTAN) e que entre 2008 e 2012 tinha já sido Presidente do Parlamento da Geórgia, ficou em terceiro lugar com 10.97%. Não seguiu para a segunda volta.

Grigol Vashadze, que foi Ministro da Cultura, Preservação do Património e Desporto durante 1 mês (Novembro de 2008 a Dezembro de 2008) para depois passar para a pasta do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Dezembro de 2008 a Outubro de 2012), concorria pelo Movimento de União Nacional (fundado antes da Revolução das Rosas pelo agora ex-Presidente, no exílio, Mikhail Saakashvili) e conseguiu 37.74% dos votos.

Salomé Zourabichvili, também ex-Ministra dos Negócios Estrangeiros que concorreu como independente mas com o apoio (ou com a dependência!) do Sonho Georgiano (partido fundado pelo bilionário Bidzina Ivanishvili e que está no poder desde as eleições parlamentares de 2012), triunfou na primeira volta com 38.64% dos votos. Uma magríssima margem de vantagem de 0.9% em relação ao seus mais directo rival.

Os dois candidatos seguiram para a segunda volta em situação de empate técnico. A segunda volta decorreu um mês depois, a 28 de Novembro, opondo o projecto do Movimento de União Nacional aos objectivos do Sonho Georgiano. Um "choque de titãs" que vem acontecendo na Geórgia desde que Ivanishvili fundou o partido (que começou por ser uma coligação de vários partidos), no rescaldo da Guerra dos 5 Dias. E uma vez mais o Sonho Georgiano ganhou.

Na segunda volta, a semi-independente Zourabichvili conseguiu 56.5% dos votos, enquanto que Vashadze se quedou pelos 46.8% dos votos. A Geórgia elegia a sua primeira Presidente mulher, para euforia dos aliados em Bruxelas e em Washington, mas não encerrava ali o ciclo eleitoral. Isto porque logo que os primeiros resultados parciais foram veiculados Vashadze e Saakashvili falaram de fraude eleitoral e manipulação dos resultados.

Vários protestos irromperam contra a última Presidente eleita por sufrágio directo. A revisão Constitucional de 2017 prevê que o Chefe de Estado na Geórgia passará a ser eleito por um Colégio de 300 eleitores (próximo do modelo norte-americano) para um mandato de 6 anos. De resto, a tomada de posse ocorreu na cidade de Telavi, a cerca de 100km da capital, enquanto que em Tbilisi se ouviam protestos e cânticos contra a nova Presidente.

Os observadores eleitorais fizeram um estranho relatório, com a normal ambiguidade diplomática de quem não se quer imiscuir nos assuntos internos (para não atrapalhar agendas externas!), no qual disseram que as eleições foram livres e competitivas, mas também fizeram notar que um dos lados foi beneficiado por uso dos recursos do Estado e que a fronteira entre o Estado e o partido no poder se esbateu.

Como pode uma eleição ser verdadeiramente competitiva, ou mesmo livre, se um dos lados consegue fazer uso de recursos que mais nenhum consegue? Basta a Bruxelas e a Washington que se faça eleger uma mulher, para que tudo o resto possa ser ignorado? Ou é apenas por se gritar EUROPA e OTAN que o candidato tem mérito? Os princípios de equidade e igualdade são esquecidos apenas por causa de uma ilusória agenda europeísta e de género?

Acho, sempre o disse, que o genéro não pode estar na política. Sou a favor de mecanismos transitórios, de descriminação positiva, para se abrirem os sistemas políticos onde as mulheres têm menos voz e menos presença. Não esperem é que eu embarque nesta visão maniqueísta do Homem-Só-Com-Vícios, a quem tem de se coartar e condicionar, e da Mulher-Só-Com-Virtudes, a quem se pode e deve permitir tudo, porque essa não cola. É tão mau Duterte (Filipinas) quanto Hasina (Bangladesh)!

Não tirando o mérito à nova Chefe de Estado da Geórgia, que seguramente o terá (fez de resto um trabalho muito interessante enquanto Ministra), parece-me poucochinho esta visão de política orientada para a genitália... Especialmente tendo em conta que este é um país com ambições europeístas a atlânticistas, fico com a impressão que o importante nos actos eleitorais, mais recentes, foi mais o espectáculo e a forma do que o conteúdo.

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