Madagáscar e os 4 ex-Presidentes, 3 ex-Primeiros-Ministros, 2 voltas e 1 eleição

O Supremo Tribunal Constitucional do Madagáscar declarou, no começo desta semana, que Andry Rajoelina, líder do movimento político Jovens Determinados do Madagáscar, venceu as eleições presidenciais de 2018. Encerra aqui um ciclo de tensão política e acusações? Ou começa um novo momento conturbado no estado insular?

As eleições Presidenciais no Madagáscar, tal como acontece em Portugal, recorrem ao Sistema a Duas Voltas. Isto é, se na primeira volta nenhum dos candidatos conseguir mais de 50% dos votos, passam para a segunda volta os dois candidatos mais votados. Na segunda volta ganha o candidato com mais votos.

Na primeira volta, que aconteceu a 7 de Novembro, apresentaram-se aos eleitores 36 candidatos. As sondagens, contudo, desde cedo apontaram o ex-Presidente Ravalomanana, forçado a demitir-se em 2009 por pressão e ameaça de golpe de estado, e Rajoelina (ex-Presidente da Alta Autoridade Transitória do Madagascar) que, com o apoio dos militares, tomou o poder de Ravalomanana em 2009 e liderou o país até Janeiro de 2014.

Ou seja, um embate de ex-Chefes de Estado, ao qual não faltaram Rajaonarimampianina, que sucedeu a Rajoelina na liderança do Madagáscar entre 2015 e 2018 e Ratsiraka, que antecedeu Ravalomanana na chefia do estado insular. Aos quatro ex-Chefes de Estado juntaram-se ainda três ex-Primeiros-Ministros. Uma eleição, por isso, marcada por alguma expectativa quanto ao resultado final.

Ora se Ravalomanana e Rajoelina passaram à segunda ronda, como ficaram classificados os demais ex-Presidentes e ex-Primeiros-Ministros? Rajaonarimampianina ficou em terceiro lugar com quase 9% dos votos, mas muito longe dos dois contendentes maiores, ambos com mais de 35% dos votos. Ratsiraka, que chegou ao poder pela primeira vez em 1975 por via de golpe de Estado, não foi além do 19º lugar com uns parcos 0.45% de votos.

Os ex-Primeiros-Ministros ficaram em 12º lugar, com 0.59% dos votos, em 18º lugar, com 0.47% dos votos e em 24º lugar co 0.31% dos votos. A vantagem dos três contendores mais bem colocados na corrida presidencial (Ravalomanana, Rajoelina e Rajaonarimampianina) era não apenas mediática, mas também financeira, com vários candidatos a fazerem queixa da desigualdade entre campanhas.

A comunidade internacional tomou nota, mas pouco fez (e em bom rigor, pouco poderia e deveria fazer). A segunda volta teve lugar a 19 de Dezembro e opôs Rajoelina (que vencera a primeira volta com 39.2% dos votos) a Ravalomanana (que chegara aos 35.3% de votos), num ambiente eleitoral tenso e muito marcado pelos gastos eleitorais avultados dos dois candidatos mais votados.

A segunda volta, repito, decorreu a 19 de Dezembro, mas os resultados só foram conhecidos a 27 de Dezembro. Nos dias entre a votação e o conhecimento dos resultados, a ilha africana viveu numa espécie de limbo político com acusações feitas nas redes sociais e muita expectativa veiculada nos media tradicionais... mas sem episódios de violência de maior, contrastando com o Bangladesh, com o Congo e mesmo com a Geórgia que tinham tido escrutínios mais violentos.

A 27 de Dezembro, a Comissão Eleitoral do Madagáscar declarou que o ex-Presidente Rajoelina vencera as eleições, com 55.7% dos votos, ficando o ex-Presidente Ravalomanana abaixo dos 44.5% de votos conquistados. O derrotado Ravalomanana acusou logo o vencedor Rajoelina, responsável pela perda do seu mandato em 2009, de fraude eleitoral e a ilha voltou ao impasse.

A 8 de Janeiro o Supremo Tribunal Constitucional do Madagáscar confirmou os resultados da eleição do dia 19/12, anunciados a 27/12, ignorando as mais de 200 queixas por fraude eleitoral apresentadas por Ravalomanana e pelo seu partido. O Supremo Tribunal Constitucional do Madagáscar não cedeu à pressão resultante dos protestos que foram acontecendo em Antananarivo (capital do Madagáscar).

O ciclo eleitoral no Madagáscar comprova que a mera existência de eleições pouco faz pelo aprofundamento da democratização dos países. A eleição em causa, que foi incapaz de galvanizar os eleitores (54.2% de votantes na primeira volta e apenas 48.1% na segunda volta), demonstra que a perigosa utilização de eleições como mecanismos de confirmação de poder e não de selecção de elites governantes produz efeitos para lá do ciclo eleitoral. Agora aguardemos pela tomada de posse...

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