Celebro-te e a um longe que se faz perto

Está a transformar-se num péssimo hábito este de passar o teu dia, longe de ti. Está a transformar-se numa péssima rotina esta idiotice de estar longe, quando devia estar perto. Já lá vão três dias teus, passados em terras de outrém, para além de outros tantos passados em terras lusas mas longe. Certas repetições não deviam poder acontecer...

Acordei pelas 06h35, com a voz da Melodie Gardot, e com o quarto envolto em trevas. O sol de Carachi nascia na rua, por detrás das persianas. Não tive pressas. Conheço tão bem as minhas rotinas matinais e os meus tempos e gestos e no entanto estranhei esta manhã. Quase que a combati. Quase que quis ficar ali imóvel, com o tempo congelado e num espaço sem espaço. Mas o impossível não foi possível. Levantei-me!

Programei, na noite anterior, a moldura electrónica para ter apenas uma foto em exibição permanente. E enquanto me sorrias alegre, sabendo eu que dormes a mais de 10.000km de distância, sorri também. O sorriso manteve-se. E o silêncio também. Fiz o que sempre faço todas as manhãs, sem novidade e sem surpresa e no entanto senti-me insatisfeito. Queria mais algo...

Mordisquei um dos chocolates que chegaram no dia anterior, enquanto esperava pelo pequeno-almoço na companhia de Catarina de Médicis. Ironia deliciosa, tu fazes anos e eu, aqui longe, é que recebo presentes. Sou em quem está longe? Ou és tu? O que importa? Estamos longe outra vez... Isso é que importa. E é isso que me insatisfaz, penso enquanto Catarina corre, ao sabor dos grafemas, para salvar o Navarra.

O pequeno-almoço veio. O carro veio. As aulas vieram. Os alunos vieram. O almoço veio. Os emails vieram. Os documentos vieram. O funcionário do piso veio. Os colegas vieram. Mais alunos vieram. Mais emails vieram. Mais documentos vieram. O lanche veio. Ainda mais documentos vieram. Tudo veio. A distância já estava, a saudade também, mas a melancolia do longe veio.  E tu não!

E agora sorrio. Penso em como estando longe, eu de ti e tu de mim, te consigo ter perto. De como nas pequeninas coisas e nos grandes feitos te vejo. De como consigo ouvir a tua voz, nos momentos de maior silêncio. De como consigo sentir-se afagar-me os cabelos, quando apenas a solidão me faz companhia. De como consigo que estejas perto, apesar dos mais de 10.000km que nos separam.

Já te celebrei de tantas maneiras e todas merecidas. Da mãe presente; à guerreira persistente; à Rainha elegante; à conselheira paciente... Mas este ano celebro apenas o estares sempre aqui, o fazeres-te perto estando longe. O termos, há 29 anos, sete meses e três dias, um laço feito de silêncio, partilha e amor mais sólido que diamante ou grafeno. O termos isto que não tem nome, mas tem forma.

Peço desculpa por não estar perto; mas sei que sabes porque estou longe. Peço desculpa por te preocupar todos os dias, sabendo que ficas alerta sempre que ouves notícias de países acabados em "estão". Peço desculpa por falhar, outra e outra e outra vez, à celebração do teu dia. Falho em corpo, mas não esqueço! Peço desculpa por, a esta altura, já te ter feito chorar.  Por estares, tenho a certeza, de lenço em punho e olhos a brilhar cheio de cristais aquosos. [Pausa] Podes sorrir!

Celebro o muito que ainda tens para alcançar; o muito que ainda tens para nos surpreender; o muito que ainda tens por fazer. E mesmo longe cantar-te-ei os parabéns e terei tanto ou mais orgulho por poder dizer: é a minha mãe! E quem sabe, em 2017, depois de Lisboa, de Kirikkale, de Espoo e de Carachi se não celebro o teu dia em Abrantes, ao teu lado. Mas mesmo que não celebre ao teu lado, sei que não estarei longe. Nunca estarei longe.

PARABÉNS MÃE!

Beijinhos,
Filho, Tiago

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