Urduizo-me, ou olhando pela janela dos fonemas...

Aprender qualquer língua é uma janela para um novo mundo. Porque uma nova língua implica não apenas sinais de pontuação, acentos, regras ortográficas e um novo sistema gramatical. Uma nova língua implica um pensar novo; um novo modo de olhar o mundo, com olhos matizados por outras tonalidades. No final, estou em crer, falamos todos humanês.

Foi com essa máxima de conhecer um povo por dentro, por um dos elementos definidores da identidade, que comecei a aprender russo, quando ainda estava por  Lisboa. E as poucos ao Доброе утро (Bom dia), juntei o Здравствуй. Как Дела? (Olá. Como vão as coisas?) e mais tarde até o Спасибо за информацию (Obrigado pela informação) se banalizou.

Na mudança para Kırıkkale, no coração da Anatólia, voltei a envidar esforços, quase todos auto-didáticos, para compreender uma nova língua: o turco. E ao Tünaydın (Boa tarde) lá juntei o İyi günler (Tenha um bom dia), a que se somou o Nasılsınız? (Como está?) e o sempre útil Teşekkürler (Obrigado). E não levei tempo a perceber a utilidade do Lütfen yavaş konuşun (Por favor, fale mais devagar).

Mas na mudança para Carachi, capital de Sindh e verdadeira Istambul paquistanesa, não senti o mesmo ímpeto para aprender a língua nativa, porque o inglês ainda figura como língua nativa em paridade com o Urdu, a que se somam (sem estatuto de língua nativa) o Punjabi, o Balouch, o Pashto, o Sindhi e outras tantas formas de comunicar. Inglês seria a ferramenta para comunicar e construir pontes.

E contudo, depois de uns meses por aqui, comecei a perceber que conhecer um pouco de Urdu talvez me facilitasse a vida. E assim passei a escutar com atenção e aos poucos vou lá fui entendendo que Batao significa Diz-me!, mas se for Ouve-me então terei que usar o meri baat suno. Levei um pouco mais tempo a perceber que Kia hua? é "O que se passa?" e Kia hua he? é "O que aconteceu?"

Aos poucos comecei a juntar sons, que até aqui ignorei mais por falta de interesse, do que por falta de vontade. Aos poucos o que até aqui era melodia sem sentido, passou a ser sinfonia legível. Ainda estou longe de poder conversar ou socializar em Urdu, ou qualquer outro dialecto local, mas estou mesmo assim mais perto de ver o mundo com mais uma nova matiz.

E se é verdade que o caminho se faz caminhando, também é verdade que se caminha falando. E aos poucos vou-me completando. Porque se viajar nos torna mais únicos, deixar que a viagem nos transforme torna-nos mais autênticos. Continuo incompleto, como um puzzle, mas vou encontrado novas peças. E amanhã, quem sabe, aprenderei a vingésima sexta palavra...

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