Os protestos de Pristina e a nudez do projecto Kosovo

O Kosovo é um estado falhado. Não existe razão para o Fidalgo moderar as palavras, quando a verdade é por demais evidente. Os protestos que hoje abalaram as ruas de Pristina são apenas o culminar de um projecto que nasceu para falhar, porque se instrumentalizou o "Nós" (Kosovares) contra um "Vós" longínquo (Rússia).

O Kosovo tem a sua raison d'être numa compensação pelo etnocídio sofrido pelos Kosovares, cometido pelas mãos das tropas de Milosevic, no decurso da Guerra dos Balcãs. Em 2008, o Kosovo declarou (sabendo que contava com o apoio de Washington!) a sua independência de modo unilateral. Em 2015 pouco mais de 55% dos Estados-membro da ONU reconhecem essa mesma declaração.

O Kosovo foi criado com triplo intento: 1.) dotar a OTAN com um aliado na região, servindo o Kosovo de desculpa para se aliciar a Albânia (a mesma Albânia que no seu projecto nacionalista sonha, a prazo, "engolir" o Kosovo); 2.) enfraquecer a Sérvia, maior aliada de Moscovo nos Balcãs; 3.) minar o soft power da Rússia na região.

O problema é que se os Kosovares se uniram no momento da declaração unilateral de independência, logo se desuniram no momento seguinte. Com uma economia paupérrima, com um governo impreparado e com uma situação social explosiva, o Kosovo tem falhado em se revelar o paraíso pró-Kosovar que era suposto ser.

O problema de se construirem Estados, de modo artificial, e apenas por justificação negativa é que a manutenção da animosidade torna-se na prioridade central. Ora as actuais investidas da Europa da União, para que a Sérvia e o Kosovo cheguem a bom termo, tinham que degenerar em protestos massivos nas ruas de Pristina e em violência verbal e física.

O Partido pela Auto-Determinação do Kosovo já percebeu que os kosovares estão pouco interessados em dialogar com os sérvios, da mesma Sérvia da qual declararam, há menos de dez anos, a cessação. Só a boa-vontade extrema, para não dizer estupidez, de quem vive entre os gabinetes de Bruxelas e Washington para achar que a aproximação seria um processo simples.

Este é o mesmo Kosovo que ainda não conseguiu delimitar as suas fronteiras com a vizinha Macedónia; o mesmo Kosovo que ora aplaude a Europa (quando a mesma "ataca" a Sérvia), ora a crítica de cinismo (quando a mesma não "ataca" a Sérvia); o mesmo Kosovo que protesta sempre com estandartes vermelhos e pretos, mas tem azul e dourado na sua bandeira...

Este é o Kosovo que já foi advertido não uma, não duas, mas várias vezes pela EULEX para refrear o nacionalismo exclusivista e de retórica violenta, que em nada contribui para a construção de pontes de entendimento entre Belgrado e Pristina. Mas se este é o mesmo Kosovo de 2008, a Sérvia essa mudou muito nos últimos anos.

Esta não é a mesma Sérvia dos anos 1990. A Sérvia soube reconstruir-se após a implosão sangrenta da Jugoslávia e é hoje um estado relativamente pacífico, se tivermos em conta o caos na Macedónia, o falhanço do esquisso institucional da Bósnia-Herzgovina, a debilidade no Montenegro e a fragilidade na Bulgária.

Esta é a Sérvia que conseguiu travar a adesão do Kosovo à UNESCO, quando Israel não conseguiu travar o mesmo para com a Palestina. Esta é a Sérvia que manteve laços diplomáticos com a Rússia e a Rússia é talvez o maior vencedor da geopolítica mundial dos últimos três anos. Esta é a Sérvia que dialoga com Bruxelas com prudência, sem as exaltações barrocas de Ancara.

Os protestos que hoje abalaram Pristina são, em bom rigor, uma confirmação do extraordinário fracasso de um país com apenas um aliado próximo, que o quer "engolir"; com uma economia depauperada; com uma população jovem em fuga para as várias capitais europeias; com um problema de legitimidade que legitima o que agora outros fazem. Há que repensar o Kosovo... e ontem já era tarde!

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