Notas sobre os atentados de Beirute e de Paris

É triste acordar com más notícias numa manhã, é mais triste acordar com más notícias em duas manhãs seguidas. Acordei ontem (Sexta-Feira 13) com a notícia dos 43 mortos em Beirute, no Líbano. 43 vítimas de dois bombistas suícidas que deixaram ainda um rasto de destruição e mais de 200 feridos.

E hoje acordei (por volta das 07h45, 02h45 em Portugal) com as notícias dantescas de mais de 120 mortes na bela cidade de Paris. O choque que senti roubou qualquer réstia de sono. Enquanto tomava o pequeno-almoço Daesh reclamava a autoria dos ataques, tal como clamara a autoria dos ataques em Beirute.  Não abri logo o Fidalgo, para não escrever imerso em medo. Aguardei...

Os ataques tanto em Paris como em Beirute, porque as vidas orientais valem tanto quanto as vidas ocidentais, são tragédias que mostram o pior do extremismo religioso. E neste caso de um extremismo religioso com características muito próprias, que explicam a natureza dos ataques e das acções levadas a cabo pelo Daesh.

O Daesh é composto, maioritariamente (mas não apenas) por seguidores do Wahhabismo, um movimento Sunita fundamentalista, ultraconservador e que está na origem da formação do reino da Arábia Saudita. O Wahhabismo é a doutrina dominante na Arábia Saudita, patrocinada pela Família Real que deve, em larga escala, a sua subida ao poder aos seguidores deste movimento sectarista.

Para além de todas as questões teológicas que envolvem este corrente islâmica (que se centra na ideia da Unidade ou Singularidade de Deus), o Wahhabismo deve também ser visto como uma resposta-reacção ao Imperialismo Europeu e ao Cosmopolitismo Otomano (Turco). E é neste ponto que, tem em crer o Fidalgo, se encontra a raíz dos ataques dos últimos dias.

É sempre mais simples ligar eventos que já aconteceram e entender o padrão quando o mesmo está já estabelecido, mas essa é uma limitação da condição humana. Podemos analisar o que já foi, o que já aconteceu, e não o que será. Podemos, claro, tentar predizer o que será, mas nunca analisar a previsão que corre sempre o risco de não acontecer.

Beirute não foi escolhida ao acaso. Beirute, também conhecida como Paris Oriental, é o símbolo maior (no Médio Oriente) da sobrevivência do Cosmopolitismo de tipo-Ocidental e da capacidade de várias confissões religiosas viverem lado-a-lado. O Líbano, com todas as suas imperfeições e limitações, "pulveriza" a ideia de que muçulmanos, cristão, judeus, yazidis, zoroastras, mazdas e tantos outros não conseguem viver juntos. Conseguem sim!

Beirute é não só um desafio à lógica ultraconservadora e puritana do Wahhabismo, como é também uma lembrança perene do impacto transformador do Ocidente na região. Isto porque, o Daesh é antes de mais um movimento revisionista, que procura restabelecer a suposta supremacia da Civilização Islâmica da era dos Califados Omíada (responsável pelo estabelecimento do Al-Andalus) e Abássida.

Paris, por seu turno, tem dupla importância: centro do Cosmopolitismo Ocidental e capital de um Império Colonial que teve forte presença no espaço Islâmico. O ataque de hoje é uma prova de capacidade guerrilheira do Daesh ("tenham todos medo, que atacamos até em Paris!"), mas é também um acto de vingança histórica pelos anos do domínio Colonial.

O atentado em Paris prova que a ideia criada de que as Agências Secretas tudo sabem é errada e mostra as fragilidades de uma cidade, que já este ano tinha sofrido o preço da intolerância e do fanatismo religioso. O atentado de Paris prova que é preciso fazer mais, mas isso não implica (como muito acham!) que se deva bombardear mais; matar mais; destruir mais...

Não diz o Fidalgo que não se faça nada, que o diálogo seja a única forma de resolver este assunto (sendo, sem dúvida, a melhor forma de o fazer!), mas entre a necessidade de defesa e a barbárie para acalmar medos, preconceitos e a estupidez individual de certas pessoas vai uma longa distância. Se matarmos indiscriminadamente, com a desculpa de "haverá sempre vítimas" somos iguais ao Daesh.

Os atentados de Paris e de Beirute provam que a OTAN, se quer manter alguma relevância, precisa construir uma estratégia concertada, ou simplesmente seguir a acção iniciada por Moscovo. Em vez da manutenção da mentalidade Guerra Fria que parece dominar ainda em Bruxelas e Washington, na sua oposição vazia-mas-contínua a Moscovo, é preciso uma cooperação efectiva.

Não diz o Fidalgo, até porque seria errado, que a fórmula do Presidente Putin é a mais acertada, mas ao menos existe uma fórmula... Ao passo que do lado do Presidente Obama e seus aliados a prioridade parece ser condenar as acções de Moscovo, sem apresentar um plano alternativo ou sem propor uma parceria que emende e/ou atenue os erros e os excessos do belicismo de Putin.

Os atentados de Paris e de Beirute provam que a estratégia de Ancara, de usar o Daesh como desculpa e instrumento para exterminar os Curdos (os mesmos curdos que são aliados de  Washington!) é perigosa. Tão perigosa quanto a estratégia de Riade, de financiar o Daesh para combater o Irão xiita e a Turquia sunita (mas demasiado Ocidental).

Os atentados de Paris e de Beirute mostram que ou os vários Dr. Frankensteins param de alimentar o Monstro, ou o Monstro acabará por devorar os criadores. E o Fidalgo não fala apenas de Ancara e de Riade, porque Washington e Londres não estão menos isentas de culpa. Porque a solução poderia já ter chegado, se tivesse existido vontade para tal.

Os atentados de Paris e de Beirute não devem ser usados como desculpa para a xenofobia exclusivista, de quem acha que os males do mundo virão com os refugiados. De quem acha que os refugiados apoiam o Daesh, o mesmo Daesh que os transformou em refugiados para começar. A resposta ao Terror não deve ser a acção pelo medo, mas a promoção da tolerância.

Os atentados de Paris e de Beirute não devem ser usados como desculpa para o discurso alarmista e radical, que culpa o todo pela parte. Para quem, como o Fidalgo, se encontra a viver e trabalhar num país de maioria Islâmica (Paquistão), depois de ter vivido e trabalhado num país de maioria Islâmica (Turquia) é claro como a água que grosso-modo os muçulmanos, como os Cristão e os Judeus, são pela Paz, pelo Amor e pela Justiça.

É mais fácil culpar o que não se conhece, o diferente, o que não é como nós, mas lá por ser mais fácil não é mais certo. Se sucumbirmos ao medo, o Daesh vence. Se reagirmos ao Terror como Terror, o Daesh vence. Se respondermos à Violência com Violência, o Daesh vence. Mais do que responder, urge pensar antes de responder. Afinal é tão mais fácil replicar, do que resolver...

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