Eleições Legislativas I: Democracia, maioria e pseudo-mitologia...

O Fidalgo, no seu exílio, sugerido, de resto, pelo ainda actual Primeiro-Ministro (não, meu caro, não é mito coisa nenhuma!) tem lido cada coisa que quase não acredita. Ao que parecem muito cidadão-eleitor criou mitologias sobre o sistema político e sobre o seu voto... E o pior, muita gente supostamente esclarecida alimenta tais mitologias.

As eleições Legislativas, como o nome tão bem indica, servem para eleger quem legisla... Ora sabendo que o poder Legislativo, em Portugal, cabe à monocamaral Assembleia da República, são os seus representantes (os deputados parlamentares) que o cidadão-eleitor elege. Lamento desapontar mas não se elegem, por sufrágio directo e universal, Primeiros-Ministros, ou Governos.

O que diz a Constituição, que de resto serve de "manual de instruções" de todo o jogo político, é que o governo emana da Assembleia da República, cabendo ao Presidente da República convidar o líder do partido, ou coligação partidária, com maior representatividade na Assembleia da República a formar Governo. Até aqui tudo entendido?

Não está escrito em lado nenhum, que as eleições Legislativas devem ser vistas como uma corrida de karts, em que quem chega em primeiro lugar vence. Tenham paciência... A essência da Democracia, seja ela Parlamentar ou Semi-Presidencial, não é essa. A essência da Democracia (demos = povo; cracia = governo) é portanto dar voz à maioria, sem esquecer, minorar ou rebater, a visão da minoria...

Quando a visão da minoria é esquecida e rebatida, seja por artifícios legais ou por recurso a violência estrutural, a Democracia torna-se em "Tirania da Maioria". É por culpa da "Tirania da Maioria", pela imposição de uma visão única, espartilhada, formatada, rígida, que muitos eleitores se desencantam com o sistema político e muitos optam mesmo pelo não-exercício do direito ao voto.

Apliquemos agora isto! Em 2011, no momento pós-eleitoral, o PSD (partido mais votado) e o CDS-PP (terceiro partido mais votado) coligaram forças para garantir uma maioria absoluta, que lhes desse um mandato menos turbulento, tendo em conta as medidas que tinham que aplicar. E, em especial, tendo em conta as várias promessas que teriam que rasgar na cara dos eleitores.

Em 2015 a hipótese de uma coligação eleitoral entre o PS (segundo partido mais votado), BE (terceiro partido mais votado) e CDU (quarto partido mais votado) que garantirá a mesma maioria absoluta parece levantar imensos celeumas. Ora tenhamos um pouco de mais honestidade intelectual. Porque se pode a Direita coligar em 2011, e a Esquerda não o pode fazer em 2015?

Adoro ver contas e continhas para servirem pseudo-argumentos: "Mas 90% do eleitorado não votou no BE e vão agora a governo?". Nessa óptica, lembra o Fidalgo, 63% do eleitorado também não deu o seu voto à coligação. E, sejamos honestos, o BE não vai sozinho a governo... Ora BE+PS somam 42,6% do eleitorado e se a isto somarmos o apoio da CDU (com entrada no Governo, ou por acordo de incidência parlamentar) falamos de quase 51% do eleitorado.

Falemos em deputados! 116 é o número mágico! Quando ainda falta atribuir quatro mandatos sabemos que a coligação de Direita conseguiu eleger 99 deputados. O PS+BE somam 104 deputados e se a estes somarmos os 17 da CDU: 121 deputados. Porque razão 121 deputados não podem sustentar um Governo, para que 99 deputados sustentem um outro Governo?

Argumento primeiro: porque ninguém votou numa coligação de Esquerda! Verdade. Mas ninguém votou numa coligação de direita e ela surgiu. Aliás a maioria das coligações que sustentam Governos por essa Europa fora são quase todos pós-eleitorais e não pré-eleitorais. Não podemos fazer comparações com o "Estrangeiro Civilizado" só quando nos interessa.

Argumento segundo: porque o BE e a CDU são anti-EU e anti-OTAN! Verdade. Mas o trabalho das negociações entre parceiros de coligação é mesmo esse; o de acertar "agulhas" e eliminar pontos contenciosos. Na Finlândia, só para dar um exemplo, os Verdadeiros Finlandeses (anti-UE) estão no governo e nem por isso Helsínquia aparece menos Europeísta.

Argumento terceiro: porque não votei em Costa para Primeiro-Ministro! Verdade. (Pausa para respirar fundo!) Nem em Costa, nem em nenhum outro, porque o seu voto é para os deputados e não para os líderes dos partidos. Se os media dão a entender que é para isso que o seu voto serve, a culpa é dos media (pela mensagem errada) e sua, caro/a leitor/a (por "engolir" o que os media dizem, como se fossem homílias dominicais).

Argumento quarto: foi com a Esquerda que a troika chegou ao país! Verdade. Mas se formos ao jogo das culpas então teríamos que tirar do poder PSD, PS, CDS-PP e deixar os demais partidos governar. A troika foi chamada por um governo PS, depois de erros cumulativos que não se restrigem a uma janela temporal tão curta. Afinal não foi um Primeiro-Ministro de Esquerda que, sabendo que o país estava de tanga, "fugiu" para Bruxelas...

Considerações pessoais sobre a competência deste, ou daquele, candidato mais não são do que extrapolações individuais. Os ódios de cada um, não devem ser matriz da opinião feita com seriedade. O Fidalgo sabe que a política tende a galvanizar o eleitor e, como no futebol, nem sempre a racionalidade fala mais alto. Mas, de quando em vez, tentemos isso...

O Fidalgo respeita também que para alguns cidadãos-eleitores possa parecer frustrante que a coligação do PaF, força política que, de facto, captou mais votos mas que, também de facto, foi única força a perder em percentagem de votos e em mandatos conquistados, possa formar Governo, mas a isso chama-se Democracia.

Quando vamos a umas eleições Legislativas, não podemos pensar que estamos numa corrida de 100 metros estafetas, em que ganha quem chega primeiro. Estamos sim a falar do somatório de vontades, sancionadas pelo voto popular, e 121 vontades parecem-me mais expressivas do que 99...


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