Mais um Primeiro Dia...

Ainda não sei bem o que me atemoriza mais, se o primeiro dia de aulas como aluno, se o primeiro dia de aulas como professor. Tenho fiapos de memória do primeiro dia de aulas na primária. Recordo a luz morna de Setembro sobre um edifício rosa, no qual ansiava entrar. Lembro da escadaria; dos corredores de pedra; da sala de aulas. Do rosto da professora e de como queria aprender mais, mais, mais.

E não esqueço o que senti quando dei aulas, fora de Portugal, na primeira vez. De como desci as escadas com vagar, para disfarçar o tremor nas pernas; de como memorizei quinze frases que iniciariam a aula e de como não disse nenhuma; de como sabia que aquele primeiro momento não se repetiria. E ficaria guardado... E hoje repetiu-se o ciclo!

Acordei cedo, ainda não eram sete da manhã, abraçado pelo calor pegajoso do Sudeste Asiático. Não me custou a abandonar a cama fofa e de proporções generosas do quarto 9. Tomei um duche sem pressas, com a água fria a desfazer o enlace apertado do calor enquanto pensava em de tudo o que ficara por Portugal para eu vir para aqui: Karachi, Paquistão.

De como uma vez mais caíram lágrimas do rosto da minha mãe, que me vê partir cada vez para mais longe. De como uma vez mais ficaram as minhas irmãs entre a preocupação nervosa e o orgulho cintilante. De como os amigos e as amigas ficaram surpresos. De como uma vez rumei a um destino desafiante.

O pequeno-almoço chegou na hora marcada: 07h45. Saíra do banho há menos de 15 minutos e já as gotículas de suor teimavam em surgir na testa. Posicionei-me debaixo da ventoínha, mas o calor é omnipresente por estes lados. Resignei-me, por agora... Chá, fruta, torradas e um torrente de palavras sobre o reinado revolucionário do faraó que introduziu a ideia de monoteísmo.

Desci para o carro que me leva para o campus todas as manhãs sem pressas, mas sentindo o tremor miudinho aguçar as garras. Lá vem ele... Sorri, cumprimentei o motorista e sentei-me no banco de trás com o tablet ligado. Ia começar a aula a dizer "isto" e depois "aquilo" e depois "outro" e terminaria. O carro parou em frente ao edifício onde leccionarei pela primeira vez. No segundo tempo da manhã seguirei para outro edifício.

Subo a rampa de acesso ao segundo piso. Vejo muitos rostos sorridentes, que trocam palavras entre si ora em urdu, ora em inglês, ora em dialectos que não consigo perceber mas que dão uma musicalidade cosmopolita ao corredor. Avanço por entre saris, túnicas e burqas, numa mistura fantásticas de modos de estar e de trajar.

Main Campus, Adamjee, Class Room 2! É ali! Avanço sem pressas, enquanto o tremor nas pernas se instala. Levo a mão à maçaneta da porta. Revejo tudo o que quero dizer; revejo porque estou aqui; revejo de onde venho e ignoro para onde vou... ainda agora cheguei. Abro a porta. Esboço um sorrio, meio tosco, e digo um "bom dia". E todo o treino, preparação, planeamento, colapsa ali. Mas sigo em frente...

E a aula seguiu em frente. Quase 40 paquistaneses viajaram ao Egipto de Amenhotep IV pelas mãos de um professor vindo de Portugal. Não expus matéria, nem debitei conceitos e datas; discutimos, com questões que fui fazendo; com ligar as pontes e os pontos do passado com o presente. E apesar de não ter tido como queria, disse tudo o que queria e mais. E sorri quando ao final de 75 minutos disse: "Até quinta-feira".

Não sei quantos "Primeiros Dias" mais terei na minha carreira; quantas vezes começarei um novo ciclo; quantas vezes mudarei mais de continente, ou de país; mas sinceramente não quero saber... Com o primeiro dia superado quero focar-me no desafio que agora começa; quero olhar para o que comecei quando no Domingo, pelas 11h30, entrei naquele avião em Lisboa. E amanhã será o segundo dia!

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Força amigo que o universo conjura a teu favor...
beijos és um orgulho sem limites para mim!