E uma semana depois o calor abraça-me...

São quase 19h. O ar enche-se com o som harmonioso vindo do alto dos minaretes que chamam os fiéis para mais uma oração na mesquita. Um calor pegajoso tem-me acompanhado desde que o dia começou. Comecei o dia a achar que nunca sentira nada assim, mas não levei tempo a lembrar-me que já conhecia este calor... Que ele não era novidade!

Curioso como o calor que sinto aqui, no mais recente ponto do planeta onde habito (Ásia, Paquistão), me lembra o calor que senti ao aterrar na minha primeira viagem fora de Portugal, se excluirmos as idas a Badajoz... Foi em Manaus, no Brasil, que senti um calor tão intenso como aqui. Foi nesse lugar mágico que me transformou em viajante que o senti pela primeira vez.

Manaus simboliza sempre o ponto de partida. A primeira vez que saí de Portugal num contexto semi-profissional: na altura, num projecto de intercâmbio universitário. E durante esse mês em Manaus senti sempre o abraço abafado desse calor constante que, após anos, voltou a entrar no meu dia a dia. Curioso como as coisas parecem ser tão circulares e quando achamos que algo é um ponto de partida, afinal era apenas uma chegada...

Há uma semana atrás, por esta hora, estaria ainda a sobrevoar solo europeu. Milha a milha aproximava-me de Istambul onde embarcaria num segundo voo para Karachi, quase sem direito a pausa para esticar as pernas. E pela madrugada mais de quatro da manhã (pouco passaria da meia-noite em Lisboa) aterrei no novo desafio: Paquistão.

E uma semana já terminou. Já conheci colegas novos e alunos novos. Já tratei de burocracias e de papeladas. Já visitei edíficios que passarei a conhecer melhor. Já explorei o meu novo gabinete. Já comecei novas disciplinas que me foram confiadas. Já conheci uma pontinha da frenética e gigantesca Karachi. Já fiz...

Quando fui para a Turquia tracei largos planos e muitos projectos. Realizei alguns, mas deixei muitos em stand-by. Depois deixei que a confiança e a racionalidade me guiassem e segui para a fria Finlândia. Por vezes é preciso arriscar, dizem, e eu achei que seria esse o meu momento!

E o que parecia um ciclo interessante, passou a nada por causa de nada. Mas como não me faço com o nada segui em frente. E cheguei aqui. Saí da Ásia Média, para a Europa do Norte para vir ter ao Sudeste Asiático.

Nos dias que antecederam a vinda muitas dúvidas, medos, interrogações assaltaram a minha mente. E se não gostarem da primeira aula? E se eu não gostar do país? E se não correr bem o voo? E se não tiver boas instalações?

Mas as dúvidas podem reduzir-se a um nada, que não as nadifica mas silencia-as. E eu sabia que teria que seguir para um novo desafio. Que não podia parar agora. Não agora! Que só seguindo poderia partir em busca de resposta. Ou apenas em busca...

O calor continua aqui. Ao meu lado. No meio do salão comum da residência para docentes onde agora habito. O salão que permanece quase vazio. Ninguém mais para além de mim, do calor que me abraça e do silêncio.

Vi um colega meu lá em cima e sei que mais dois andam pelo edifício, mas não estão aqui. Também eles seguem em busca para as interrogações que os assaltam. Também eles vieram para aqui, porque estar por ali não dava, não era certo, era nada...

Deixo sempre em Portugal amigas e amigos com lágrimas nos olhos; deixo sempre em Portugal familiares de coração apertado; deixo sempre em Portugal conhecidos em estado de ansiedade. Deixo sempre Portugal... Mas nunca esqueço... E enquanto o abraço do calor não desenlaça; enquanto o tempo não passa; vou ficando por aqui.

Vou lendo, vou sonhando, vou escrevendo, vou lembrando e vou vivendo... E amanhã serão oito dias!


Comments