Burundi e as eleições que não elegem: confirmam!

Existe uma tendência generalizada para se equacionar democracia com eleições. E se é verdade que o dispositivo eleitoral permite a renovação tão necessária aos sistemas democráticas, não é menos verdade que as eleições são apenas uma das ferramentas dos sistemas democráticos. A supremacia da lei é, neste sentido, outro pilar central e crucial dos regimes democráticos.

Ora equacionar eleitoralismo com democracia leva a travestismos sistémicos, que apenas iludem quem se quer deixar iludir. É deste tipo de democracia-travestida que temos vários exemplos na Ásia Central e também em África, como é o caso do Burundi que teve ontem a eleição presidencial, dois meses após ter realizado eleições legislativas.

As eleições presidenciais no Burundi revestiram-se de polémica desde o começo com o Presidente Pierre Nkurunziza a avançar para um terceiro mandato presidencial, que a Constituição do Burundi proíbe mas que o Tribunal Constitucional do Burundi autorizou. Ora quando a lei é "lida" com uma intenção, que não a intenção plasmada na mesma, está visto que a democracia padece de maleitas...

O Presidente Nkurunziza intrepreta a lei como dizendo que o Presidente está limitado a dois mandatos eleitos por voto popular (algo que a Constituição não menciona). Os opositores dizem que a lei fala simplesmente na impossibilidade de se ficar no poder por três mandatos consecutivos... Isto porque, faça-se o devido contexto, Nkurunziza chega ao poder em 2005 por voto do Parlamento e não pelo voto popular...

As eleições, que tiveram menos de 75% de taxa de participação (73,44%) e que deram ao Presidente Nkurunziza quase 70% dos votos (69,41%) mostraram o privado da vontade política do Presidente sobre o sistema político a que preside. As eleições mostraram que transfigurar democracia num mero exercício de travestismo eleitoral potencia situações como a do Burundi.

As eleições mostraram também, como também o tinham feito as legislativas, um país em estado de alta tensão com a classe política, a elite económica e as chefias militares em competição permanente. No meio perdem-se vidas; acontecem jogadas e golpes mas depois, como se fazem as ditas eleições, pode dizer-se ao mundo que "a Democracia mora aqui". E, mais incrível, a comunidade internacional engole todo este teatro de parca qualidade...

O Burundi fica assim pronto para um novo período governativo, com um Parlamento e um Presidente validados pelo voto popular, que começa marcado por fortes tensões e por algumas mortes, que deixam antever como a democracia travestida degenera em sangue e infelizmente levam o Fidalgo a esperar o pior... Espero daqui a uns meses não estar a escrever de novo sobre o Burundi! Veremos caro leitor, veremos...


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