Quando a agenda vale mais que a realidade ou as eleições na Moldova

A Moldova terminou ontem mais um ciclo eleitoral. As eleições locais decorreram em duas voltas: a primeira a 14 de Junho e a segunda volta a 28 de Junho. As eleições de Junho preencheram uma multitude de cargos públicos desde as Assembleias Municipais, aos Presidentes dos Municípios, aos Executivos Municipais e Executivos Distritais, passando pelos Concelhos da Cidade e da Aldeia (estes dois últimos uma espécie de Juntas de Freguesia).

A eleição, tal como aconteceu com a eleição de Novembro de 2014, foi marcada por uma dicotomia entre os partidos pró-União  Europeia e os partidos pró-Federação da Rússia. Na imprensa internacional, claro está, as eleições ganharam aquele sabor especial das dicotomias exacerbadas: os pró-UE do lado da luz e do futuro e os pró-Rússia do lado das trevas e do passado...

Na corrida pelas Assembleias Municipais e Distritais o Partido Liberal Democrático da Moldova (pró-EU) levou a melhor com 23,21% dos votos e 259 mandatos conquistados. Em segundo lugar, bem de perto, veio o, também pró-EU, Partido democrático da Moldova com 23,12% e 258 mandatos. A imprensa internacional, e bem, fez gáudio da vitória dos partidos pró-União Europeia. Mas o Fidalgo logo se questionou...

E o terceiro lugar? Quem o ganhou? O terceiro (Partido dos Socialistas da República da Moldova, 14,25%, 159 mandatos), quarto (Partido dos Comunistas da Moldova, 12,37%, 138 mandatos) e quinto (Nosso Partido, 12,10%, 135 mandatos) lugares ficaram reservados a partidos pró-Rússia. Mas a imprensa internacional parece não ter visto isso.

O resultado para os Concelhos de Cidade e Concelhos de Aldeia foi parecido. Os partidos pró-UE aparecem, de facto, na dianteira e os partidos pró-Rússia em terceiro, quarto, quinto e sétimo. Pode ler-se nestes números o avanço da ideia europeia na Moldova, mas o que parece flagrante é um país dividido ao meio e que pode fracturar exactamente dessa forma: ao meio!

E os Presidentes de Câmara? Vitória expressiva dos partidos pró-UE sendo contudo relevante notar alguns pontos: a.) os votos na Transnístria e na Gagauzia (regiões fortemente pró-Rússia) não foram incluídos na contagem nacional de votos.  Isto porque a Gagauzia voltou a fazer bloqueio eleitoral e na Transnístria as coisas não correram melhor; b.) a pressão internacional para o voto pró-UE também terá o seu impacto, naquela que é a economia mais pobre do Velho Continente.

Portanto o que podemos ler nestas eleições locais? Que a população se afasta cada vez mais da política feita com votos sucessivos: a taxa de percentagem não chegou sequer aos 49% (48,7%). A Moldova parece incapaz de minorar as fortes cisões internas entre uma população que olha mais para Bruxelas e outra que vai sonhando no regresso de Moscovo. Pelo meio já se ensaiaram protestos pró-integração com a Roménia e pedidos de assimilação na vizinha Federação Russa.

Enquanto nos preocuparmos em colocar nos escaparates apenas a espuma das coisas; com títulos triunfalistas que falham em fazer uma leitura adequada dos números e da realidade, estamos condenados a ser surpreendidos pelos acontecimentos. E, se um dia, a população se cansar de esperar por Bruxelas, estes entusiásticos títulos noticiosos levarão muita gente ao espanto... "Mas eles não eram todos tão pró-UE?" Não, não eram...


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