Afinal para quê votar na Etiópia?

A Etiópia é um dos países mais antigos de África e do mundo. Influenciada pela colonização Helénica (no período Clássico) e com fortes ligações a Constantinopla (antes de esta ser tomada pelo Império Otomano) é com o Reino de Portugal que, no começo do século XVI, a Etiópia reestabelece contacto diplomático regular com a Europa.

A Etiópia foi um dos poucos Estados Africanos que manteve a sua independência no decurso da Conferência de Berlim de 1884-1885 (tal como a Tailândia, no sudeste Asiático). Em meados do século XX, e durante pouco mais de cinco anos (1936-1941) a Etiópia viu-se ocupada pela Itália. E em 1974 a monarquia etíope foi abolida por uma junta marxista. Começaria um período brutal com o "Terror Branco" e o "Terror Vermelho" a ceifarem milhares de vidas...

Os anos 1980-1990 foram marcados por um período de tumultos, guerrilhas, atentados, pragas, fomes e uma série de tensões interétnicas que resultam na declaração de independência da Eritreia, validada por referendo com patrocínio da ONU. Os conflitos entre a Etiópia (que em 1994 adopta uma nova Constituição) e a Eritreia duram até hoje.

É esta a Etiópia que a 24 de Maio foi a votos para eleger os 547 deputados que compõe a Câmara dos Representantes do Povo, no Parlamento Federal bicamaral da Etiópia. E se a votação aconteceu a 24 de Maio os primeiros resultados só sairam a 23 de Junho e os resultados finais só ficaram confirmados a 24 de Junho!

Vamos a números! A taxa de participação nas eleições parlamentares na Etiópia fixou-se acima dos 93%, nos 93,2%. Números que até podiam ser encorajadores... Nas eleições de Maio de 2015 participaram 44 partidos políticos. E os resultados? Os 547 mandatos disponíveis foram todos, repito todos, conquistados pelo partido no poder.

A Frente Revolucionária Popular e Democrática da Etiópia, com a liderança do Primeiro-Ministro Hailemariam Desalegn, conseguiu o pleno e venceu todos os mandatos. Oposição? Não é preciso, obrigado! Visões diferentes? Não! Se o governo é um, o parlamento também deve ser um. Isso de ter muitas vozes torna-se aborrecido.

E o pior de tudo é que estes resultados, que parecem dramático, são na verdade a consequência natural das eleições parlamentares de 2010! Em 2010 a Frente Revolucionária Popular e Democrática da Etiópia conseguira 546 dos 547 mandatos disponíveis, deixando apenas um lugar vago para a Oposição. Agora o trabalho está completo: um parlamento; um partido. Uma tragédia.

E a comunidade internacional ficou-se? Sim e não! A União Africana, que teve no terreno quase seis dezenas de observadores, considerou as eleições na Etiópia como "livres, justas, pacíficas, credíveis e de acordo com os procedimentos democráticos". Claramente temos visões de Democracia diferentes. O Fidalgo não consegue perceber como é que domínio completo dos media, a perseguição política e campanhas de intimidação são "procedimentos democráticos".

A União Europeia e a Fundação Carter (dos EUA), que estiveram presentes no escrutínio parlamentar de 2010, não receberam convite para enviar missões de observação para as eleições de Maio de 2015. Seria aborrecido se a União Europeia e a Fundação Carter causassem "distúrbios" perante tão genuína demonstração de "procedimentos democráticos" de alta qualidade.

Entre as eleições de 2005, onde vários partidos conseguiram um lugar no Parlamento (com a Frente Revolucionária Popular e Democrática da Etiópia a alcançar maioria governativa), e as eleições de 2015 deixámos que os poucos progressos democráticos ruíssem. Entre dois ciclos eleitorais observámos ao colapsar de mais um regime híbrido proto-democrático frágil sem envidar esforços...

O fracasso da transição rumo à democratização na Etiópia, parece confirmar o sucesso da imposição de regimes, pela via revolucionária. Com uma vizinhança complicada (Somália, Quénia, Sudão, Sudão do Sul, Eritreia e Djibouti) e com um sistema político que busca legitimidade pela força desde os anos 1970, a Etiópia parece condenada a fracassar quando a sua História (na era pré-Republicana) mostra que pode triunfar...


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