Tendo o Tempo por inimigo...

As notícias de incursões das forças da Daesh contra cidades antigas no Iraque sucedem-se. O património material da humanidade perdido na fúria do extremismo religioso e de quem parece temer algo. A euforia da testosterona não chega para justificar os actos a que temos assistido. Tem que existir uma razão mais profunda que justifique (se possível) os actos de barbárie.

E a razão profunda (sendo simplista!) é uma: luta-se contra o Tempo. Os extremistas que compõem as hostes do Daesh na verdade compreendem uma série de agendas que se auto-excluem e que, caso a Daesh vença os seus intentos primários (firmar-se como entidade soberana no território do Iraque e da Síria) levará a um fenómeno estilo Iémen ou Líbia de todos, contra todos.

Mas neste conglomerado de agendas em competição existe um elemento central que os une: o ódio ao Ocidente? Sim e não. O ódio ao Ocidente existe apenas por ter sido o tal Ocidente a transformar o curso da História. O Fidalgo explica! Apesar de o ensino da História no espaço Euro-ocidental ignorar esse facto, o mundo islâmico compreendeu um espaço de dinamismo civilizacional de excelência entre os séculos XII - XVII.

A Europa mergulhada nas trevas da Idade Média e que teve que esperar pelo Renascimento e pela Reforma e Contra-Reforma para se catapultar para uma nova Era de conhecimento era um espaço notoriamente inferior nos domínios da Filosofia, das Artes e até do Comércio quando comparado com o vibrante mundo islâmico onde Sócrates, Aristóteles e Platão eram debatidos na luz do Islão.

Nomes como Al-Kindi, Al-Ghazali, Al-Farabi, Avicenna e Averroes faziam avançar o pensamento no mundo islâmico com um pujança que a Europa não acompanhava. O espaço islâmico dominava muitas das rotas de comércio, entre as quais a lucrativa rota das especiarias e a rota do ouro Africano. E ao espaço islâmico afluíam centenas de músicos, arquitectos, pintores, escultores. O mundo islâmico vibrava com dinamismo comercial, intelectual e artístico.

A Europa, arreigada nos seus preconceitos e ainda a tremer com a implosão de Roma, lançou-se ao mar, com Portugal por timoneiro, para reconquistar a glória perdida. Cedo a Europa percebeu que precisava olhar de igual para o espaço islâmico, não sendo por acaso que a França estabelece no século XVI uma aliança com o Império Otomano e Portugal, Países Baixos e Espanha mantêm boas relações com vários Sultões.

Mas então como é que a Europa mudou o jogo de forças? Pela força das armas! A pólvora (usada pelos "Estados Beligerantes" no espaço da actual China) aliada ao desenvolvimento da ciência bélica deram aos Europeus a vantagem. No processo achou-se que era missão da Europa cristianizar o mundo e destruiu-se muito da cultura pagã, nativa e até islâmica. A Europa auto-impôs-se como medida para se avaliar o estado de desenvolvimento civilizacional dos outros espaços.

É contra este processo de inversão de forças, negando que a História anda em frente e não para trás (mesmo que seja circular, o círculo desenha-se para frente), que luta o Daesh. É na negação do que aconteceu que se encontra a luta do Daesh. É também na negação da grandeza do passado pré-Islâmico tentando obliterar o facto de a região sempre ter sido foco de dinamismo civilizacional mesmo antes da entrada do Islão.

Daesh não destrói estátuas de incalculável valor cultural mas sim o Tempo. O Tempo que antecedeu a chegada do Islão, e no qual vários Impérios atestam que a magnificência de um povo está menos ligada a factores religiosos do que o Daesh gostaria, e o Tempo que precede à Era da Pólvora e do domínio Euro-ocidental. Daesh quer voltar a um tempo de pureza que, na verdade, nunca existiu...

Quem luta contra o Tempo está condenado a lutar contra o Nada e quem luta contra nada, não perde, não ganha, não empata... Quem luta contra Nada, faz nada. Triste é que no entremeio várias vidas sejam resumidas a nada pelo calor das armas e pelo fulgor de mensagens que dizem defender uma mensagem que, no final de contas, não conhecem...


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