Da importância das palavras; ou o Estado que Estado não é!

Tenho me debatido com o facto de se chamar "Estado" a um grupo de extremistas devotado a criar, pelo menos por agora, caos e insegurança. Já me é complicado considerar realidades como a hodierna Somália, Líbia, Síria ou República Centro-Africana como Estados. Torna-se ainda mais ardiloso chamar de "Estado"a uma entidade com noções destorcidas de justiça.

Se o tal grupo de guerrilheiros, com complexos hollywoodescos, se considera um Estado então a Transnístria, a Abkhazia e a Ossétia do Sul seriam o quê? Um Estado desenvolvido? Nesta coisas pode parecer questão de detalhe mas a nomenclatura é importante, afinal enquanto homens somos animais gregários e nominais. As coisas existem quando lhes damos nome...

As duas funções basilares do Estado, recordemos agora, são prover segurança e justiça. Ora o tal Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EIIS) não parece devotado a prover qualquer uma destas. Não se erguem Estados para prover insegurança e injustiça, mesmo que o dito "Estado" tenho para si que o que faz é justo (aos olhos de uma estranha concepção de Divino).

Portanto passo de EIIS para Daesh. Participei nos últimos dias numa "Mesa Redonda OTAN & UE" na Estónia e todos plenários e grupos de trabalho paralelos rodaram em torno de três temas: Ciber-defesa e ciber-guerra; crise na Ucrânia e a ameaça do EIIS. Durante as discussões vários delegados mostraram-se relutantes em usar o nome EIIS (ISIS em inglês) e preferiram a expressão Daesh.

O Fidalgo, naturalmente intrigado, começou a pesquisar os porquês de tal recusa e a credibilidade de se mover de EIIS para Daesh. E não é que vários Estados, Estados "à séria", implementaram como política oficial o uso de Daesh e não de EIIS/ISIS! Ficam então novas questão no ar: o que é que significa Daesh e porquê o uso desta expressão e não de outra?

Daesh é usado, pela maioria dos proponentes, com um duplo sentido: 1.) desligitimização da pretensão do tal grupo ser considerado um Estado; 2.) sentido negativo da palavra Daesh que se confunde com outras palavras do Árabe Clássico como Daes "aquele que esmaga algo sobre os seus pés" e Dahes "aquele que semeia discórdia". Parece-me que o que temos visto é mais Daesh e mesmo, bem menos, EIIS.

O Fidalgo tem presente que a desligitimização semiológica, do grupo extremista, ao transitarmos de EIIS para Daesh, não irá fazer o mesmo recuar nos seus esforços, mas é um passo importante. A classificação de Daesh como não-Estado poderá contudo encorajar os Estados "à séria", e os grupos transnacionais em que os mesmos se encontram (como a OTAN), a agir de modo mais musculado e menos errático.

Para o Fidalgo a transição de EIIS para Daesh compreende um momento de clarificação, porque não se pode chamar a Estado quem parece não agir como tal. Afinal se somos tão rigorosos em apontar o dedo a uma Rússia pouco democrática, ou a uma Venezuela populista, ou a uma Coreia ditatorial também temos que o ser com relação a quem se arvora a ser o que não é. Esqueçamos o EIIS e passemos a olhar para Daesh com a emergência e preocupação que Daesh representa.


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