Não somos Tempo, mas ele conta!

Não somos Tempo, mas ele conta. Somos congregação de átomos e células e impulsos nervosos. Somos uma massa genética complexa. Mas não somos Tempo, porque o Tempo não é. Inventámo-lo para controlar o que somos; para não viver no incerto; para perceber o que nos circunda... Mas não somos Tempo. E mesmo sem sermos Tempo, hoje é dia de celebrar o teu Tempo.

É a segunda vez seguida que estou longe, quando te celebram. Depois das lágrimas que me caíram no rosto na Turquia, enquanto escrevia o que não te podia dizer e aplacava sentimentos com morfemas e grafemas, soltam-se lágrimas na Finlândia. Choro de alegria, de tristeza, de ausência e de presença. Choro... e mesmo quando sorrio, choro...

Vais acordar mais cedo do que precisas. Vais estender roupa que a máquina lavou de noite. Vais deixar o almoço para a Inês orientado. Vais vestir-te, talvez com um conjunto planeado no domingo à noite antes de fechares a porta do quarto. Vais beber o café, se as tarefas da casa não te roubarem tempo e sairás…

Vais chegar ao trabalho. Picar o ponto. Vestir a bata. E sorrir para os meninos. Vais cantar canções e preparar refeições. Vais deixar que os mais pequenos sonhem; que cresçam com um bocadinho do teu amor doce. Vais almoçar. Vais vê-los dormir e, nas sombras, fazer uma ou outra coisa. Vais lanchar. Vais receber beijinhos, felicitações e abraços. E sairás…

Vais passar pelas compras. Vais pensar em receitas de fazer babar Reis e Presidentes. Vais para casa. E vais querer dar um jantar. Já terás falado com a Catarina no Domingo, ou mesmo no Sábado. Vais confeccionar tudo com bom gosto e com amor, como sempre fazes. Vais por a mesa e, quem sabe, receber uma ou outra chamada. Vais aguardar que cheguem os convivas.

Vais soprar velas. E ouvir o “Parabéns a você”. Vais fechar os olhos e pedir desejos, ou apenas um. Vais partir o bolo. Vais partilhar estórias e sorrisos. Vais deixar que o doce tempere o amargo das ausências. Vais despedir-te de quem convidas-te. Vais arrumar a cozinha. Vais organizar a casa. E irás para o quarto. E o dia, vais ver, finda-se.

É verdade que não somos Tempo, mas hoje queria ter tempo de te ver fazer tudo isto. E enquanto olho pela janela, pensando no que olharás tu enquanto escrevo, sei que agora (enquanto lês) choras. Mas não precisas... Não quero que passes o dia preocupada comigo; por estar longe, por ter sido atirado para fora pela incompetência de uns, pela incoerência de outros e pela passividade de muitos. 

Não quero preocupações. O dia não é meu, mas teu! És tu quem celebramos. A que não pede aplausos quando dá carinho; a que não precisa de medalhas para ter coragem; a que não espera por sonetos em troca de amor puro; a que não aguarda pelos sonhos, mas antes luta. O dia é de celebrar-te em público, porque celebro-te no meu coração todos os dias.

Passámos por muita coisa juntos.  Coisas que guardamos no coração. Coisas que as palavras poderiam descrever mas que prefiro que fiquem não-ditas. Coisas que embalo no silêncio, enquanto limpo mais uma lágrima que escapa. E sorrio. Sorrio porque sei que foi amor o que senti nos primeiros microssegundos em que senti o tocar dos teus dedos nas minhas bochechas.

E esse amor transformou-se em correntes de seda, que me aprisionam mas apenas porque quero ser prisioneiro. E se choro é de alegria; choro por não conter o orgulho que é ter-te por Musa, quando a Arte assim o pede; que é ter-te por Guerreira, quando a vida desafia; que é ter-te por Imperatriz, quando a circunstância o exige; que é ter-te como mãe... Sempre!

Olha em teu redor e vê como tornaste adversidade em alegria e desafios em esperança. Enxuga as tuas lágrimas, deixe que chore eu por ti; que te celebre com sal líquido e sorrisos. Se estou onde estou é por ti e estar aqui é celebrar-te. Aproveita o dia em que todos te celebram; o dia em que te prestam a devida vassalagem. E amanhã, mesmo longe, continuarei eu a celebrar-te.


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