Finlândia ou o passinho em frente

Passei a última noite em Portugal com amigos. Uma noite normal. Um bom jantar, boa conversa, muitas gargalhadas e bom vinho. E uma palavra na mesa: Finlândia. Enquanto o vento frio fustigava as ruas de Lisboa, falavamos do que me poderia esperar na gélida Espoo (Finlândia), da qual sabia que pouco sabia.

Fiquei acordado toda a noite. O voo sairia cedo, quando os sonhos aconchegavam uns e o quentinho dos cobertores outros. Na sala, comigo, ficaram duas amigas que foram sendo vencidas pelo sono. Sorri, eram umas 3h30, ao aperceber-me que só eu restava acordado. Chamei um táxi. Lavei o rosto. Olhei para a mala vermelha que materializava o imaterializável.

Segui para o aeroporto. Fiz o check-in com um sorriso no rosto, enquanto por todo o lado via olhos ensonados e bocas que abriam involuntariamente, denunciando o sono que não abandonara os donos semi-acordados. O telefone tocou. Mensagem publicitária. Ignorei-a. Passei pelo controlo policial e pelo detector de metais. O telefone voltou a tocar.

Era a minha mãe. A voz mesclada de sono e saudade disse-me um adeus e um boa sorte. Agradeci. E sorri para um telemóvel sem vida, que guardei no bolso. Caminhei com calma para a porta que me levaria ao Norte. Antes de embarcar outra chamada. A primeira das quatros princesa, a única a nascer antes de mim, ligava-me. Desejava-me sorte, boa viagem e felicidade. Agradeci, claro.

E, sem saber de onde, uma pequena lágrima correu-me pelo rosto enquanto sorria. Acho que a Saudade tem destas coisas. Torna-nos gelatinosos, trémulos, flutuando entre a alegria e a tristeza. Sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Não tive pressa em limpar a lágrima. Uma voz feminina anunciou o começo do embarque. E deixei-me embarcar.

Cheguei a Amesterdão sabendo que chegava para partir. Saí do avião a passo estugado. Procurei a porta do voo que se seguia. Ainda tive tempo de me sentar. Deu para actualizar o status no facebook, para tranquilizar amigos e família. E quando pensava responder a dois emails que entratanto tinham chegado uma nova voz, feminina por sinal, anunciou mais um embarque.

Ainda não eram 15 horas (13 horas em Portugal) quando aterrei em Helsínquia. Cheguei com esperanças e sonhos e planos e projectos e anseios. A mala, a materialização em vermelho do imaterializável, não chegou. Ficara por Amesterdão. Chegaria quase trinta horas depois. Fui recebido com um cartão simpático e um sorriso.

Fiz compras num supermercado local, onde conto voltar hoje. E entrei, pela primeira vez, no escritório. Nomes, rostos, apertos de mão, galanteios e cordialidades inundaram-me. Um simpático tsunami, mas um tsunami na mesma. Tentei manter a postura cordial, mas o cansaço não facilitou a tarefa. E fui, por fim, conduzido à nova moradia. Explorei-a.

E enquanto a explorava animava-me. Começava ali um novo ciclo. Começava um novo capítulo de um livro que não se escreve, mas que se vive. Começava um passinho rumo a uma meta que não conheço, mas que sei que existe. Começava a continuidade, porque é isso que me sinto: um somatório de começos e términos que não são mais do que a continuidade do que não se descontinua.

Hoje, já com a mala vermelha que materializa o imaterializável por estes lados, e a começar a entrar na dinâmica do novo desafio só posso estar feliz. É mais um passinho em frente. Mais um degrau que se sobe, ou que se desce, porque o que importa é não estagnar. É mais um pulinho em direcção a algo. E um dia, talvez, quem sabe, venha a dar passinhos e pulinhos destes no meu país...


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