Carta a um ex-professor de Educação Física

Olá Nuno,

Acho que já o posso tratar assim, pelo primeiro nome. Arrisco ao trato no primeiro nome, mas não ao trato por tu. Acho que "fulanizamos" demais pelas terras de Cesário Verde e de Lídia Jorge. E por isso trato-o pelo primeiro nome, mas mantenho o respeito e a dignidade do "Vós", por vezes transformado em "Nós" majestático. Disperso-me...

Olá Nuno. Se me dissessem, no ano lectivo de 2002/2003, que em 2015 estaria a escrever esta carta gargalharia por certo. Se a pessoa insistisse na afirmação, acabaria por acenar em negação e perguntar se a pessoa se estaria a sentir bem. Mas em 2015 não escrever esta carta é que seria irrazoável. E por isso escrevo-a.

Por certo terá apenas fiapos de memória das aulas que me deu. Ao passo que eu lembro-me de imensas coisas. É sempre mais fácil para o aluno que num ano tem um professor, do que para o professor que num ano tem dezenas, ou centenas, de alunos. E para os lados da 24 de Julho, em Lisboa, existe quem queira que sejam milhares de alunos por ano, para um professor... Mas não divaguemos...

Lembro-me de como as aulas de Educação Física eram um misto de tormento e resignação. De como apareci em quase todas, se não mesmo em todas. De como refilei, protestei, pastelei em quase todas, se não mesmo em todas. E de como acabei sempre por participar em quase todas, se não mesmo em todas. Refilava muito, é certo, mas ia fazendo.

E ia fazendo porque o Nuno não desistia. Era talvez o mais "complicado" dos rapazes da turma de Humanidades. Enquanto os meus colegas faziam tudo e queriam mais e mais, eu fazia os mínimos e queria menos e menos. E assim que o Nuno virava costas, a corrida tornava-se em passeio. E assim que o Nuno virava costas os exercícios frenéticos abrandavam automaticamente.

Não me lembro de parar, mas não digo que não o tenha feito. A memória por vezes pode ser traiçoeira. Lembro-me como o Nuno, no segundo período, me disse uma coisa que me ficou na cabeça: "Tiago não quero fazer de ti um desportista, mas não quero que desistas". Na altura devo ter pensado, de mim para mim, algo como: "Não preciso destas macacadas para nada"!

Mas a frase ficou gravada. Essas treze palavrinhas ficaram marcadas. E desde então lembro-me delas sempre que o corpo, e não a mente, é chamado a agir. Lembrei-me delas na aulas e nos treinos que fiz com a Diana, nos quais nunca desisti. Lembrei-me delas quando me inscrevi num ginásio em Oeiras, em 2009, e me atrevi a experimentar várias aulas de grupo.

Lembrei-me delas numa caminhada entre Cedilho e Nisa (quase 20km) que fiz em 2013, antes de embarcar para a Turquia. Lembrei-me delas nas caminhadas que fiz com a minha mãe nos últimos dois Verões. Lembrei-me delas nos meses a fio em que segui o plano de exercícios físicos matinais, prescrito pela minha irmã.

"Tiago não quero fazer de ti um desportista, mas não quero que desistas". E foi isso que fiz hoje! Não desisti! Comecei, a semana passada, a trabalhar numa empresa na Finlândia que segue a máxima mens sana in corporo sano (mente sã em corpo são). É pedido aos funcionários que tentem, pelo menos, cinco horas de actividade física por semana. E todas as segundas-feiras reportam-se conquistas ou fracassos numa coisa chamada: Clube dos Guerreiros!

"Tiago não quero fazer de ti um desportista, mas não quero que desistas". E com o som desses treze vocábulos gravado na minha mente entrei no ginásio, decidido a fazer 60 minutos de actividade física. Uma loucura, para quem há muito se contentava com 25 minutos. Primeiro fiz a passadeira: 30 minutos. Fácil? Não. Mas não ia desistir.

Depois a bicicleta. Escolhi o modo "random hill", velocidade 8 (a máquina oferecia entre 1 a 20). E ao fim de 25 minutos parei. Fiquei a cinco minutos de completar os 60 minutos. Desisti? Assim o parece, mas não sinto isso. Parei porque tive noção que esses cinco minutos extra hoje, podiam levar-me a "rejeitar" o ginásio amanhã. Isso sim seria desistir. Mas não desisti, porque amanhã conto voltar e fazer, nem que seja, 26 minutos.

O Nuno não queria fazer de mim um desportista, não o fez; mas não queria que eu desistisse e não conto desistir. E apesar de lamentar o não ter aproveitado quando devia, não vou ficar a olhar para o passado numa nostalgia inerte. Vou antes pensar no agora e no amanhã com a determinação de não desistir. Porque, tenho em crer, se não desistir farei bem a mim mesmo e, talvez, farei feliz e um ex-professor de Educação Física.

Obrigado Nuno!


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