Divisões, antagonismos e a pouca utilidade do eleitoralismo na Moldova

A Moldova foi a eleições parlamentares, extraordinariamente marcadas por um maniqueísmo resultante da crise na Ucrânia. Quem acompanhou o que a imprensa internacional foi dizendo sobre as eleições parlamentares da Moldova antes destas acontecerem ficou com a ideia de que a Moldova não tem problemas internos por resolver.

A imprensa internacional minimizou o impacto das sanções russos aos produtos Moldovares, como o vinho e as carnes. E quase não tocou nas problemáticas questões em torno das regiões autónomas da Gagauzia e da Transnístria. Resumiu-se tudo, no final, ao antagonismo de forças políticas pró-União Europeia e forças políticas pró-Moscovo; quadro incompleto, que não deixa perceber a importância real do escrutínio em causa.

Os resultados tardaram a chegar, porque não existirem sondagens à boca da urna. Sergiu Ostaf, director do Centro para os Direitos Humanos, considerou a ausência de sondagens prejudicial para a população. Já Arcadie Barbarosie, director do Instituto para as Políticas Públicas, desvalorizou o caso dizendo que a qualidade e rigor o escrutínio ficaria salvaguarda, mesmo sem as ditas sondagens.

Essa foi de resto a polémica que alimentou o interesse dos analistas e académicos, enquanto os números não chegavam. E os números lá chegaram. Os primeiros números davam a vitória às forças pró-russas. O Partido Socialista da República da Moldova e o Partido Comunista da República da Moldova (ambos pró-Moscovo) surgiam em primeiro e segundo lugar, com o quinto lugar ocupado pelo Partido Reformista Comunista (também ele pró-russo).

Curiosamente, estes primeiros números foram partilhados com entusiasmo pela imprensa russa mas foram praticamente ignorados pela esmagadora maioria da imprensa internacional, com honrosa excepção da Reuters que publicou uma notícia onde se dava conta da "vantagem dos partidos pró-Russos" no começo do escrutínio. Mas a noite traria surpresas...

Ao passar-se a barreira dos 30% de votos contados o Partido Reformista Comunista (pró-Russo) passou do quinto para o sexto lugar, sendo ultrapassado pelo Partido Liberal (pró-UE). Não só passou para sexto, como passou a ter menos de 6% dos votos nacionais, barreira mínima para se entrar no parlamento. A noite começava a dar sinais de mudança na tendência de voto.

Quando se estava perto dos 70% de votos contados o Partido Comunista da República da Moldova foi ultrapassado pelo Partido Liberal Democrata Moldavo (pró-UE), que não mais perderia o segundo lugar e que alargaria a diferença de votos. Em quarto lugar permaneceria (intocado) o Partido Democrata da Moldova (pró-UE). E com os ventos a soprarem na direcção de Bruxelas, a imprensa internacional lá começou a falar das eleições parlamentares na Moldova.

Aos 80% de votos contados começaram a sair dados com o número de mandatos, que cada partido conseguiria alcançar. Os partidos pró-Moscovo ficariam com 47 mandatos, enquanto os partidos pró-UE conseguiam 54 mandatos que garantiriam a manutenção da maioria absoluta (num parlamento com 101 lugares) e de um governo pró-Bruxelas. Os números pouco mais se alteraram durante a noite.

O que os votos mostraram, mas muitos analistas alegremente ignoraram, foi uma Moldova profundamente dividida (é importante dizer que o Partido Reformista Comunista ficou a menos de 1% de entrar no parlamento, o que poderia ter destabilizado ainda mais as contas) que continua a ser acossada por uma visão que insiste no antagonismo UE vs Rússia; ao invés de se ensaiar uma visão de aproximação de UE ≈ Rússia.

O que o escrutínio mostrou foi uma Moldova frágil; incapaz de alcançar consensos nacionais e de transformar as perigosas divisões em extraordinárias oportunidades. O que o escrutínio mostrou foi uma Moldova com potencial "incendiário" igual ou superior ao da Ucrânia... Uma Moldova onde Comrat deu pouca relevância ao escrutínio e Tiraspol boicotou, uma vez mais, o mesmo.

Como se posso integrar um país como a Moldova na Parceria de Leste com a União Europeia, quando o mesmo país é incapaz de "acomodar" as divergências entre a sua população (Moldovares pró-EU e moldovares pró-Moscovo) e entre a população Moldovar e os Gagauzes, Transnístres, Cossacos, Russos e Romenos? As eleições provaram, isso sim, que a Moldova não falhou a transição porque nem sequer a começou...


Comments