Outra crise em Tbilisi, ou uma Geórgia que se "Ucraniza"?

4 de Novembro! Irakli Alasania, até então Ministro da Defesa, é demitido do cargo. Razão da demissão? Alasania acusa o gabinete do Primeiro-Ministro Irakli Garibashvili de conduzir acções que colocam em causa o trajecto Euro-Atlanticista da Geórgia.

É interessante notar que Alasania nunca acusou o Primeiro-Ministro de ser pró-Moscovo (acusação política que na Geórgia equivaleria dizer "você é neo-nazi" ou "você é ultra-anárquico"), apenas o acusou de não ser fervoroso adepto do caminho Euro-atlântico. E a verdade é que o governo em causa se comprometeu, em Outubro de 2012, em encetar uma reaproximação diplomática gradual a Moscovo.

As declarações bombásticas feitas a 4 de Novembro vieram na sequência de uma série de detenções e investigações a membros do staff do Ministério da Defesa. Na Geórgia, como na Ucrânia, no Quirguistão, no Cazaquistão e no Azerbaijão, o poder judicial e as forças policiais são muitas vezes transformados em simples armas de arremesso político.

O Primeiro-Ministro não foi de modas e demitiu Alasania em menos de quatro horas. Sucede-lhe no posto Mindia Janelidze, até então Secretário do Conselho de Segurança e Emergência Estatal. De Janelidze pouco se conhece e, dizem muitos analistas, a sua escolha revela a necessidade de ter figuras de pouco vulto na liderança do Ministério da Defesa, de modo a que o mesmo sucumba aos desejos e intentos do Primeiro-Ministro Garibashvili.

A crise política iniciada com os comentários de Alasania revela ainda duas outras coisas: 1.) demonstrou de modo claro que Bidzina Ivanishvili, Primeiro-Ministro da Geórgia entre Outubro de 2012 e Novembro de 2013, ainda controla o jogo político em Tbilisi. Vários analistas alertaram para o perigo de o homem mais rico da Geórgia (Ivanishvili) se poder tornar num "shadow player", aquando do seu afastamento voluntário, prematuro e inesperado do cargo de Primeiro-Ministro.

2.) A crise política mostra ainda a implosão do "Sonho Georgiano", plataforma de partidos que se uniram contra o antigo Presidente Mikhail Saakashvili. Em meados de Setembro, deste ano, já o Primeiro-Ministro Garibashvili assumia a tensão política entre a sua equipa e a equipa do Presidente Giorgi Margvelashvili (eleito em Outubro de 2013).

A crise despoletada pelos comentários de Alasania surge assim não como uma total surpresa, mas como o corolário de uma crise interna entre os parceiros de uma "Aliança Negativa" construída com o mote de derrubar Saakhashvili e não com o mote de operar uma transição sustentável para um sistema político diferente daquele que o timoneiro da Revolução das Rosas erguera.

Num artigo que publiquei em 2012, após a vitória de Ivanishvili, alertei que seria tão essencial quanto ardiloso manter a aliança entre vários partidos com agendas dissemelhantes e todos com "sede de poder". No mesmo artigo aludia ainda para o potencial destabilizador de uma "crise fratricida" entre os vários partidos da coligação e de como isso daria, uma vez mais, poder a Saakahsvili. Parece que estava certo...

Com a crise política a atingir a Geórgia, Saakashvili tem aparecido como a figura maior na defesa do caminho Euro-atlanticista. Saakashvili foi aplaudido por uma multidão de 30.000 pessoas que, a 15 de Novembro, protestavam, com cartazes sugestivos onde se lia "STOP Putin!", contra aquilo que percebem como uma trajectória pró-Moscovo do novo governo. Uma multidão que leu nos actos de Alasania, o que Alasania nunca disse abertamente.

Saakashvili foi aplaudido em Novembro de 2015, pela multidão que em Novembro de 2003 forçou o Presidente Shevardnadze a demitir-se, catapultando o jovem Saakashvili para a ribalta política. A mesma multidão que protestou contra si em 2009, no rescaldo da Guerra de Agosto de 2008 que terminou com a secessão de facto da Abkházia e da Ossétia do Sul.

A volatilidade da opinião pública de Tbilisi é resultado da fragilidade da sociedade civil georgiana, num país que parece mais apostado em integrar-se no Ocidente e fugir da Rússia, do que em perceber-se a si mesmo. O caracter cíclico das crises políticas na Geórgia, que transformam o mesmo actor político em Herói de manhã e em Vilão de noite, poderá abrir espaço a uma "nova Ucrânia". E a Europa ainda não precisa de mais Ucrânias...


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