Uma Turquia que não se move... muito...

A Turquia tem estado no centro de um turbilhão de comentários jocosos, críticas e "apontar" de dedo por manter uma postura de passividade perante o problema do Estado Islâmico no Iraque e na Síria (EIIS, segundo alguma imprensa especializada). Ainda hoje o website RIA Novosti publicava uma notícia onde dizia "Turquia continua a ponderar participação na Aliança contra o EIIS".

E ontem a BBC News publicara algo semelhante. E anteontem o Guardian. E antes de anteontem o Le Monde. A Turquia parece não reagir ao problema que tem na sua fronteira, porque a Turquia faz fronteira quer com a Síria quer com o Iraque, já que o estabelecimento do EIIS daria à Turquia um novo vizinho truculento.

Os EUA, pela mão do Presidente laureado com o Nobel da Paz em 2009, lançaram uma ofensiva contra o EIIS onde contam com a ajuda dos aliados tradicionais como sejam o Reino Unido, a Austrália, o Canadá, a Nova Zelândia e com a ajuda de estados do Médio Oriente como sejam o Bahrein, Kuwait, a Árabia Saudita, o Qatar, os Emirados Arabes Unidos e o Líbano.

A Turquia foi convidada para participar hoje num encontro de Chefes Militares promovido por Washington onde Ankara será pressionada, uma vez mais, a enviar tropas suas para o terreno, para combater os avanços do EIIS. A questão da utilização, pelos EUA e demais aliados, da base aérea de Incirlik também deve voltar à mesa das negociações.

Mas porque não se move a Turquia? As razões para o aparente imobilismo de Ankara são várias, mas a mais premente é a doutrina de Política Externa adoptada por Erdoğan (actual Presidente), mas desenvolvida por Davutoğlu (actual Primeiro-Ministro), que se resume numa frase: "zero problemas com os vizinhos"; ou em duas palavras: "isolacionismo precioso".

A ideia é relativamente simples, a Turquia não se deve envolver em problemas com os vizinhos (mezo), porque a Turquia não é um poder regional mas um poder central (macro). Assim a Turquia não deve destabilizar a sua longa fronteira, porque a área de actuação "natural" da Turquia vai dos Balcãs, à Ásia Central, com passagem obrigatória no Cáucaso, e não apenas no Médio Oriente.

A não destabilização da fronteira não implica total imobilismo, mas antes uma resolução bilateral das questões diplomáticas mais tensas sem envolvimento de outras partes. Ora a participação da Turquia numa aliança, para resolver um problema no Iraque e na Síria, deita por terra a visão de uma Turquia capaz de estabilizar a sua fronteira por via da acção diplomática bilateral.

É certo que o EIIS não parece ser um problema que possa ser resolvido por acção bilateral e por recurso ao diálogo, mas é igualmente certo que o mesma EIIS ainda não atacou directa e flagrantemente solo turco pelo que a doutrina do "isolacionismo precioso" dificulta uma acção mais estruturada de Ankara. Na incerteza de uma estratégia de win-win, o isolacionismo permite um glorioso (mas falacioso) draw.

Se a ideia é "zero problemas com os vizinhos" porque se vai meter a Turquia com o maior problema da vizinhança? Até porque, lembrarão hojes os representantes da Turquia na reunião convocada por Washington, a Turquia já autorizou o treino de forças paramilitares das Oposições na Síria em solo turco. Logo, a Turquia não pode ser conotada como "não se movendo"... Ela move-se... mas devagarinho.

Um outro problema para a Turquia será a colaboração com os Estados Árabes. Se é certo que a Turquia se considera como um "poder natural" no Médio Oriente, é igualmente certo que existe uma tensão, para não dizer preconceito, entre turcos e árabes. Os primeiros acusam os segundos de serem bárbaros semi-desenvolvidos; os segundos atacam os primeiros por serem demasiados ocidentais e "muçulmanos de segunda".

Um outro factor tem que ser lembrado. Uma grande parte das Altas Patentes e Chefias Militares da Turquia encontra-se detida. A sucessão alucinante de golpes de Estado nos anos 1980-1990 levou o AKP a desenvolver um medo, por vezes quase paranóico, para com as chefias militares. Cada micro-rumor de putativo golpe de Estado foi sucedido de prisões de altos quadros militares. Como pode a Turquia pegar em armas, se não tem quem dirija as tropas?

A estas questões junta-se outra: a opinião pública. Por um lado o mundo assistiu aos violentos protestos, com quase quatro dezenas de mortos, que aconteceram nas regiões ocidentais do Mar Egeu e do Mar de Marmara que gravitam em torno de Istambul (terceira capital do Império Otomano), de Izmir (bastião da oposição) e de Bursa (centro industrial e segunda capital do Império Otomano). Aqui pede-se uma resposta musculada de Ankara.

Mas, por outro lado, as regiões da Anatólia Central e da Anatólia de Leste, do Mar Negro e do Mar Mediterrâneo não entendem a necessidade da Turquia "pegar em armas" tendo em conta que a EIIS não atacou a Turquia. E, lembram as opiniões públicas favoráveis ao AKP, a Turquia já faz a sua parte ao receber quase dois milhões de refugiados. Quantos refugiados recebeu a Europa no seu todo? Cerca de 4%, isto é menos de 125.000!

Um último factor a ter em conta: a questão curda. A Turquia teme que o final do conflito com a EIIS abra espaço a um movimento internacional de apoio à criação do Curdistão. E tendo em conta que Constitucionalmente a secessão do Curdistão iraquiano é simples e que a secessão do Curdistão sírio tem sido preparada com sucessivos aumentos de poder autonómico, não é de estranhar o medo de Ankara em agir de modo mais celére.

Ankara não esqueceu que o apoio norte-americano acelerou o reconhecimento do Kosovo, que a Turquia também reconheceu, e teme agora o reverso da medalha. Ora como se pode mover mais a Turquia, que já se moveu ao apoiar o treino das forças paramilitares da Síria e ao receber um influxo gigantesco de refugiados, num quadro de bloqueio ideológico; falta de liderança militar; desconfiança quanto aos parceiros; falta de apoio da opinião pública e medo de secessionismos à posteriori?

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