Tunísia a nova timoneira do Magrebe?

O ano 2011 surpreendeu o mundo com o começo da quinta onda transitológica iniciada na Tunísia. O movimento, que começou após a imolação de Mohamed Bouazizi, pedia pela demissão do ditador Ben Ali (no poder quase 22 anos), pela transformação do sistema político, pela reforma do sistema económico e pela capacitação do sistema social.

Cedo, talvez demasiado cedo, o modelo contagiou outros vizinhos e o Egipto, a Líbia, a Síria, o Iémen e o Bahrain entraram na chamada Estação Árabe (tendo em conta os resultados até aqui alcançados não temos motivos para falar em Primavera Árabe). O Kuwait, a Jordânia, o Omã e o Líbano também foram sacudidos por protestos de menor intensidade, respondidos (parcial ou integralmente) pelas autoridades locais.

A Tunísia tornou-se assim numa espécie de farol da Estação Árabe. Era a primeira a livrar-se do ditador e a entrar num percurso de reformas ao nível estrutural e ao nível institucional. As eleições do último domingo, 26 de Outubro, não só confirmam a dianteira tunisina como parecem distanciar a Tunísia de todos os outros países "apanhados" pela Estação Árabe.

Em Outubro de 2011, a Tunísia elegeu a sua Assembleia Constituinte encarregue de desenhar uma nova Constituição que abra caminho a uma democratização progressiva e sustentável. O partido islamita Ennahda ganhou o primeiro escrutínio conquistando 89 mandatos, seguido pelo Congresso para a República (29 mandatos), pela Petição Popular (26 mandatos), pelo Fórum Democrático (20 mandatos) e pelo Partido Progressivo Democrático (16 mandatos).

Após apurados os resultados dezanove partidos (oito dos quais com apenas um mandato cada) conseguiram bilhete de entrada no parlamento tunisino a que se somaram oito mandatos de candidatos independentes. Tornava-se óbvio que negociar, que conceder, aceder, ouvir e consensualizar seria o único caminho para o sucesso.

O processo na Tunísia esteve longe de ser pacífico. Tensões, alguns golpes políticos, algumas intrigas e imensos protestos marcaram a vida da Tunísia que, contudo, e ao contrário do vizinho Egipto, resistiu ao impulso de golpes de estado para desvirtuar o que o voto decidira. Os islamistas acabaram por se revelar uma força capaz de aceder a consensos e negociações com outras forças políticas. Pelo caminho, em três anos, ficaram quatro Primeiros-Ministros...

Na Tunísia percebeu-se cedo, creio que no Egipto ainda não se percebeu, que o golpe de estado é o caminho certo para descredibilizar o voto democrático, quando o mesmo ainda não faz parte da cultura política dominante. A demissão de Primeiros-Ministros tornou-se assim no "mal menor" numa tentativa de manter o ambiente de frágil consenso conseguido após a eleição de Outubro de 2011.

A nova eleição, três anos depois, para o primeiro parlamento pós-deposição de Ben Ali, mostrou uma vez mais um saudável ambiente pró-democrático. Com uma taxa de participação na casa dos 62%-63%, a Tunísia viu uma série de partidos conquistarem mandatos e, acima de tudo, viu os derrotados aceitarem a derrota e os vencedores abrirem portas a alianças e consensos.

As eleição terão ditado, segundo dados preliminares, o seguinte parlamento: Nidaa Tunis (38,24%) com 83 mandatos; Ennahda (31,33%) com 68 mandatos; União Patriótica Livre (7,83%) com 17 mandatos; Frente Popular (5,25%) com 12 mandatos; Afek Tunis (4,14%) com 9 mandatos; Corrente Democrática (2,30%) com cinco mandatos; Congresso para a República e A Iniciativa (1,84%) ambos com 4 mandatos.

O partido vencedor Nidaa Tunis fala em política de porta aberta e o Ennahda, que liderou os governos no período de transição 2011-2014, deu indicações de que estaria aberto para um governo de unidade nacional. Porque, afinal de contas, islamitas e seculares não têm que ser partes antitéticas mesmo que defendam ideias dissemelhantes.

São estes actos simbólicos que demonstram uma vontade de transformar a democracia numa questão de atitude adoptada pelos actores políticos (democracia como um comportamento se quiserem), que implicará um permanente diálogo construtivo e não impositivo; ao invés da tradicional visão da democracia como um mero sistema eleitoral de imposição de vontade das maiorias... O voto tanto pode democratizar como pode criar subserviência...

A Tunísia mostra também que as revoluções "exportadas" ao estilo copy-paste tendem a funcionar melhor na origem do que na cópia... Já antes, a quarta onda transitológica no espaço pós-soviético o mostrara (teremos dificuldade em aprender? ou ignorou-se o óbvio?)... O sucesso Báltico não foi replicado no Leste Europeu, nem no Cáucaso Sul e muito menos ainda na Ásia Central.

As revoluções podem, de facto, "infectar" os vizinhos com o seu ideário e agitar as suas dinâmicas internas, mas o processo transformativo terá sempre que ser desenhado com atenção às contextualidade locais. Apenas um olhar atento para essas contextualidades nos levará a ter mais Tunísias e menos Egiptos, ou Líbias, ou Sírias...


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