Se uma independência incomoda muita gente...

É de propósito que o Fidalgo opta por escrever hoje, e não amanhã, este post sobre o referendo que poderá dar a independência à Escócia. Escrevo hoje porque a imprevisibilidade como que apimenta o exercício de projecção do que poderá acontecer. Fica por isso o aviso: amanhã tudo isto pode cumprir-se, ou tudo isto pode esborar-se num amontoado de nadas!

Londres e Edimburgo negociaram o referendo com pouca fé no resultado do mesmo. Para Cameron, que se baseava nas sondagens e estudos de opinião de então, a independência escocesa era uma miragem distante; enquanto que para Salmond o referendo era visto como uma forma eficaz de pressionar Londres a ceder mais autonomia.

A um dia do referendo tudo mudou. O "Sim" (dos independentistas) e o "Não" (dos unionistas) será decidido pelos eleitores na casa dos "Talvez". As sondagens mostraram a campanha pró-independência a ganhar fulgor inesperado e de súbito o que era uma jogada política, passou a ser um verdadeiro projecto político.

Londres acusou o medo e já veio prometer mais autonomia e avisar que "o divórcio será sempre penoso"; porque isto da democracia por referendo é muito lindo, desde que o resultado seja o que se queria... Isabel II, que continuará a ser Chefe de Estado da Escócia (caso esta se torne independente), veio apenas pedir aos Escoceses que pensem com cuidado na hora do voto.

Edimburgo tem tentado puxar a campanha para a necessidade de proteger os Escoceses em áreas como a saúde, educação e economia. Edimburgo lançou mesmo o "Artigo Branco", espécie de carta de intenções mesclada com príncipios proto-constitucionais, onde explica o caminho a trilhar no pós-independência.

Mais curioso do que o jogo entre as duas capitais, tem sido a reacção internacional. Na Europa ficou lançado o pânico com Durão Barroso, agora ex-Presidente da Comissão Europeia, a dizer que a Escócia independente teria que se re-candidatar à União Europeia. De Espanha, abraços com o tumulto Catalão, vieram vozes de preocupação com o "precedente perigoso".

A Itália, que teve um referendo virtual (não validado) para a reconstituição da República Sereníssima de Veneza e que tem no Norte um foco de permanente instabilidade, também pede cautela. A OTAN (ou NATO) avisou, pela voz do futuro ex-Secretário Geral (Rasmussen), que a Escócia seria re-admitida apenas se todos os membros estiverem de acordo.

O "Sim" que despolete a independência da Escócia irá originar um período de tensão ao nível das Organizações Internacionais e irá, ao mesmo tempo, galvanizar outros movimentos independentistas e autonomistas que começam a despertar um pouco por toda a Europa. Curiosamente, o Fidalgo falou sobre isto na Universidade da Beira Interior em Novembro de 2012... E o guião parece não se ter desviado muito...

O "Sim" pode também levar a Escócia a transformar-se num Kosovo 2.0 e levará a uma nova guerra de acusações... Moscovo pode apontar o dedo a um Ocidente que selecciona quem pode e não pode ser independente e o Sahara Ocidental pode desistir do processo diplomático. Ou, mais preocupante, pode incendiar o Nagorno-Karabakh onde a tensão tem subido de tom nos últimos meses.

O "Sim" a uma independência da Escócia irá transformar as relações diplomáticas, podendo ser a porta de abertura para uma nova Primavera dos Povos ao estilo 1848... Se há quem acha que o século XXI é feito de super-potências, o Fidalgo acha que serão as Identidades e os espaços de partilha psicoidentitária que dominarão este século e levarão ao surgimento de novos estados...

A independência da Escócia poderá ser apenas a ponta de um icebergue que irá transformar fronteiras mostrando a volatilidade das mesmas. E se o "Não" ganhar? Se o "Não" ganhar, nada ficará como estava porque o precedente está lançado e a vizinha Catalunha vem em seguida...


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