Este caminho faz-se jejuando...

Na noite de 27 de Junho, mais por impulso do que por qualquer outra razão, decidi-me a fazer trinta dias de jejum seguindo o calendário muçulmano no período do Ramadão. Não posso dizer que estou a fazer Ramadão porque não cumpro as rezas e os rituais religiosos, para além do jejum. Mas o jejum tenho cumprido com um rigor religioso.

O primeiro dia foi interessante. Sentia no ar a excitação de fazer algo novo. Fui inundado por uma onda de carinho islâmico como nunca pensei... Emails e mensagens de facebook da Jordânia, do Egipto, da Tunísia, da Indonésia, da Somália, do Paquistão, da Argélia, do Canadá, dos EUA desejavam-me força e agradeciam o que era visto como um gesto simpático. Continuar era imperioso...

O segundo dia foi intenso. Deixei de me preocupar com: será que consigo fazer isto? O dia anterior já me dissera que sim. E passei a ter uma questão surda no ouvido: Porque ainda faço isto? E, curioso, não estou preocupado em encontrar resposta para tão pertinente pergunta. Não corri a tentar entender porque fazia o que fazia. E venci o segundo dia...

O terceiro dia foi pacífico. Encontrei paz no jejum. Na ausência das refeições, que controlam mais do nosso dia do que nos damos conta, encontrei uma serenidade que me permitiu continuar com as minhas rotinas. É verdade que as energias são menores, quando a comida escasseia, mas é igualmente verdade que aprendi a gerir as energias com maior eficácia. E fez-se mais um dia...

O quarto dia foi turbulento. Acordei a pensar em comida e, quando estamos em jejum, pensar em comida não ajuda muito. Mas nada como um bom desafio, para fortalecer o espírito. Eu sabia que queria continuar a fazer isto, que tinha que fazer isto; que só saberei porque faço isto, fazendo isto. É a única maneira de chegar ao Conhecimento é pela fazer. E nessa certeza ultrapassei mais um dia.

O quinta dia ainda vai em curso... Faltam menos de três horas para concluir mais um ciclo. E hoje continuo sem saber porque faço isto, mas sei que fazer isto é certo. Tenho sentido uma clarividência e uma criatividade no pensamento como há muito não sentia. Livre da rotina das refeições, entreguei-me à rotina dos pensamentos que me tem ajudado a superar os momentos complicados. E aguardo superar mais um dia...

Não pense o leitor que almejo um lugar como asceta ou como eremita; que faço isto com um qualquer sentido de elevação espiritual. Nada menos certo... Faço isto para me perceber enquanto pessoa e para, despido de certos comodismos, me olhar ao raio-X inquisidor dos meus pensamentos. Faço jejum porque há muito que tinha fome de ideias. E agora deixo que elas me alimentem; que elas nutram o meu corpo.

Nestes cinco dias de jejum aprendi uma coisa: o diálogo interreligioso não se faz dialogando, mas fazendo-se. É preciso agir sobre a vontade de estabelecer pontes que partilham o mesmo Deus, mas não partilham a sua teologia e os rituais. É preciso fazer para mostrar ao Outro, que afinal estamos (Nós) tão próximos do Outro. Porque afinal todos somos o Outro de alguém...

Não sei onde, quando e como terminará este caminho... Mas sei que cinco dias estão quase completos; que 1/6 da jornada está quase feita e que tenho ganho muito. É verdade que não tenho comido, bebido, o que me apetece; mas tenho-me nutrido de ideias e de pensamentos que há muito pareciam ter-me abandonado. Privei o corpo de alguns prazeres, mas dei à alma alimento. E por isso vale a pena.

E que venha o sexto dia...


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