Chego à meta ou quando se torna especial, um dia normal...

Vislumbro a meta! O prometido final! O término da jornada! Acordei com a estranha sensação de que o dia era especial e não era por alegria pela celebração dos 53 anos de independência do Kuwait, ou por querer recordar o começo da Rebelião Herzegovina de 1875-1877 ou o fim do primeiro Cerco de Niceia há mais de 910 anos.

Não tive pressa em arranjar-me e sair rumo ao meu gabinete. Não tinha urgência de chegar ao meu pequeno principado, marcado com o número 235 na porta (Apartado de uma localidade que não existe?) e uma placa vermelha (qual brasão de honra!) com três dos meus quatro nomes. A chave não sentia o que eu sentia. Eu próprio não sabia bem o que sentia...

Olhei para o gabinete com curiosidade. Podia dizer que aquele era o meu espaço e no entanto tenho dificuldade em perceber como é que um conjunto de coisa, de matéria, se tornou no meu espaço. Porque é que aquele recanto é mais o meu espaço, do que a sala 222 onde desfilaram provas de exame? Ou a sala 102 onde ensinei, ou pelo menos tentei, durante dois semestres?

Não tenho respostas. Sei apenas que acordei com a estranha sensação de que o dia era especial. Se é verdade que chave não sabia o que sentia, não é menos verdade que talvez a chave, que me abriu o meu principado a mim mesmo, soubesse responder melhor a todas estas perguntas, para as quais não sinto urgência da resposta.

Sentei-me na minha cadeira, como fiz desde que mudei para este gabinete. Liguei o computador, levantei-me, liguei o fervedor de água, corri a persiana para deixar o sol entrar no principado, no qual entrara com permissão da chave que não sabe o que sinto. Porque teria de saber? E enquanto o café e o açúcar se fundem, por acção da água quente abro um excel.

46 alunos aguardam por este pequeno momento. 92 números por introduzir no sistema informático são tudo o que resta deste ano lectivo. Um a um vou introduzindo os números... Faltam 86. E confirmando alegrias ou trazendo tristezas. Um ano lectivo inteiro reduzido a dois números. Faltam 74. Um ano lectivo confirmado com dois cliques no teclado. Faltam 68.

E enquanto introduzo números no sistema informático vou vendo uma meta, que não se materializa para além dos meus pensamentos. Faltam 60. Uma meta que atravesso, que passo, que transponho, sem sequer sair da cadeira. Faltam 52. Uma meta que se aproxima desde o dia 10 de Setembro. E que agora está tão pertinho, tão próxima. Faltam 40.

E enquanto os alunos vão ficando com o semestre selado; eu vou sentindo que o dia é especial e, como a chave, não consigo perceber bem porquê. Faltam 34. Eu sabia que o final do ano lectivo chegaria; o que torna o dia tão especial? Faltam 28. O que transforma uma data  que se sabe que chegará, num marco especial? Faltam 16. Qual a diferença entre um dia normal e um dia especial?

Faltam 12. E os números sucedem-se. Saltam, sem se mexer, do excel para o sistema informático. Os números desfilam e aproximam a meta de mim, que como eles, não me mexo. Faltam 8. E enquanto confirmo conhecimento, ou atesto a falta do mesmo, evito responder às perguntas que me assaltam. Porque têm as perguntas que ter sempre resposta? Faltam 6.

Falta pouco; a inevitabilidade da meta. E depois de atravessar a meta, o dia continuará a ser especial? Faltam 2. É agora. Movimento os dedos uma, duas vezes e está feito. Movo o curso até ao botão para confirmar as notas. E fica feito! Está concluído o meu primeiro ano lectivo na Turquia, porque em Portugal nem me deixavam começar o ano lectivo.

Fica concluído um ciclo em terras turcas, porque em terras lusas o cíclo não se podia começar. Abdiquei de muito, para ganhar muito... Mas abdiquei. Porque se não abdicasse não ganhava e continuaria a perder. E assim chego a uma meta; assim tenho um dia especial, sem saber porquê especial! Não busco respostas, por pensar nas perguntas! E com a meta conquistada olha para novas conquistas. E sorrio...


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