E entre metas respiro... e escrevo...

17h! O relógio marcava as 17h quando entrei na sala 117. Como sempre cheguei na hora certa. Um hábito meu a que os alunos, ao longo do semestre, se foram acostumando. Não sou apenas o professor estrangeiro, o hocam portekiz, sou também o professor pontual. Não sei se sou o mais pontual, não sou assim por competição, mas sei que sou pontual.

17h! Entrei na sala com um sorriso. Enquanto preparo tudo para mais uma aula, a última deste semestre, olho para os rostos que olham para mim. A última aula, por coincidência, calhou ser com os finalistas. A última aula calhou ser com quem se prepara para fechar um ciclo, antes de iniciar uma nova etapa. E, curiosamente, também eu me sinto assim: finalista!

17h05! Enquanto ligo o cabo do projector ao meu portátil, penso como me aproximo da linha da primeira meta! O fim da actividades lectivas de per si. Durante quatro anos, em Lisboa, dividi o meu tempo entre investigar (85%) e leccionar (15%) sempre que surgiam convites. E agora tudo mudou. Agora lecciono primeiro (80%) e só depois investigo (20%).

A aula flui... Os alunos naturalmente interessados, numa aula em que decidi praticar com eles potenciais exercícios de exame. E enquanto os questiono sobre o que se passa no mundo, uma voz surda, que só eu ouço, vai inquirindo sobre o que mudou em mim; na constelação que sou. E se os alunos lá respondem sobre o que aconteceu na Tailândia, na Ucrânia, na Libía ou no Rwanda, eu não tenho respostas para a voz surda que me interroga.

Pausa na aula! Agora estou mais perto de fechar o meu primeiro ano lectivo como lecturer full-time. E lembro-me que há um ano atrás, por esta altura, ainda não tinha certezas de como tudo se preparava para mudar. Mas estava perto de saber...

E então o que mudou? A voz surda insiste. Deixarei que os outros ajuízem primeiro as mutações, porque em causa própria tenderei a ver apenas beleza na mudança... E, acrescento com o rosto corado ao de leve, não tenho resposta. Sei que mudou, mas não sei o que mudou.

Retomo a aula. E quando olho para o relógio vejo que o tempo se esgota. Mostro o último slide "Good Luck to All" (Boa sorte para todos!) e vejo sorrisos. Também eles se preparam para ajuizar o que mudou e como usar o que mudou, para mudarem ainda mais.

Cheguei ao final da minha primeira meta: terminei as actividades lectivas... Agora virão os trabalhos de casa por corrigir, os exames finais, os exames de recursos e os apelos para "be gentle hocam"... E, logo em seguida, virá a investigação. Virá a Finlândia, a França, a Sérvia, o Reino Unido e a Macedónia.

Virão muitas horas de voo; longas conversas em tom ora cerimonial, ora científico, ora descontraído. Virão apresentações com a gravata (não interessa a qual) em torno do pescoço. Virão trocas de cartões e de promessas. E por fim virá Portugal... E os rostos que conheço, e a família, e os amigos e os outros...

Ontem cheguei à primeira meta e apesar da voz surda insistir na questão, eu insisto na ausência de resposta. Não sei o que mudou, mas sei que muito mudou. A mudança não tem que ser sempre medida, comparada, entendida; mas deve ser sempre vivida. E se não for assim, deixem-me pensar que é... Ontem cheguei a uma meta e amanhã parto para o Qatar, em busca de outra.


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