Gabriel, obrigado e até logo!

Ainda estou meio que incrédulo. A finitude da nossa condição humana magoa mais do que condiciona. Não por temer o fim, mas por não gostar do fim de outros. De certos outros que pela sua Gigantude não deveriam submeter-se aos condicionalismos da carne. Mas submetem! E eu não gosto. Não porque isso condiciona, mas porque magoa. E a mágoa fica, instala-se e, no fim, condiciona...

Descobri-te com "A Crónica de uma Morte Anunciada". E logo percebi que se estabelecera uma relação entre nós, enquanto calcorreava as ruas com o teu personagem. Enquanto completava o círculo (o tal finis res) e descobria como se cumpria o título, fui tecendo um algo entre leitor-autor. Não lhe dei nome, porque numa relação feita de palavras, por vezes, as mesmas estão a mais. E ligámo-nos!

Nesse Verão saltei logo para os "Doze Contos Peregrinos" e depois para o "Outono do Patriarca" e depois fiz uma pausa. Estava rendido à magia dos sentimentos, porque a tua Mestria não estava nas palavras mas nos sentidos. Na pureza que arrepia os pelos do braço e nos faz perder o controlo sobre as lágrimas, ou sobre os sorrisos. Esses sentimentos intensos que me levaram a uma longa pausa... Deixei-te em espera!

Creio que levei mais de um ano, para voltar a estar contigo. "As Memórias das Minhas Putas Tristes" voltaram a ligar-nos e depois "Amor em Tempos de Cólera". E confirmei o que já sabia: eras companheiro numa jornada que fazíamos juntos, apesar de tão separados. E enquanto eu escrevia, e escrevo, por vezes o silêncio das tuas palavras guiava-me. E inundado pela tua escrita fui construindo um algo meu.

É curioso como nunca tentei falar contigo. Outros autores existem com quem troco emails, depois de me apaixonar pela sua escrita; depois de me inebriar pelas suas obras. Mas no teu caso, Gabriel, nunca tentei sequer enviar um email. Um mero escrivã (por vezes com sentimento de monge copista) não ia incomodar um semi-Deus das Palavras. Só de pensar nisso quase que corava.

Falávamos quando te dedilhava e quando te soletrava. Falávamos sempre resguardados pela intimidade dos espaços privados com um cálice de Porto, um copo de vinho tinto ou um mero chá ao lado. Falávamos sem trocar sons, para além do ocasional suspiro, ou do frágil som das lágrimas e do silencioso sorriso. E nesse momento foram muitas as vezes que me deste conforto Gabriel.

E ontem, enquanto terminava o jantar, soube que a tua finitude chegou! Primeiro fiquei incrédulo. Como podia ser verdade que estava encerrado um ciclo, se te tenho no quarto quase vinte vezes Gabriel? Depois a emoção tomou conta de mim e as lágrimas fizeram o seu caminho, deslizando pelas bochechas até ao queixo e pingando mãos que tinha no colo.

Nunca antes chorara por quem não conheci. Outros autores há com quem tenho uma relação tão ou mais intensa, mas muitos deles já os conheci finitos e os outros ainda caminham para a sua finitude. És o primeiro de uma pequena galeria que se extingue perante a minha consciência. E as lágrimas fizeram-se ao caminho, agora que o teu caminho se deixa de fazer...

E agora Gabriel? Não morre quem deixa obra, mas a obra agora pára! A tua obra deixa de crescer; de se expandir; de se transformar; de se adaptar. E agora Gabriel? Para além de te lembrar, de voltar para trás e estar contigo sempre que quiser, o que fica mais? Fica um obrigado que não cabe na rudeza dos vocábulos; fica um obrigado de quem caminhou atrás de ti; fica um obrigado de quem te deve muito. Fica um obrigado e até logo!


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