Eleições sim! Democracia, talvez...

No domingo a Turquia, tal como a França, foi a votos. Este foi, de resto, o primeiro de dois escrutínios eleitorais que o país terá este ano. Em Agosto serão as Presidenciais, que se começaram a jogar durante as eleições regionais de domingo... Mas já explico melhor!

Os resultados não surpreenderam no conteúdo mas na forma. Sabia-se, de antemão, que o partido do Governo (Partido para a Justiça e o Desenvolvimento, vulgo AKP) iria ganhar globalmente o escrutínio. Mas era incerta a votação nas duas grandes cidades: Ankara e Istanbul. (Izmir, a terceira maior cidade do país, é um bastião do Partido Republicano, ou CHP).

Muitos analistas e comentadores, antes das eleições, apontavam para resultados entre os 33% e os 38%, com alguns mais ousados a falarem em números como 40% mas nada previa uns expressivos 45% para o AKP. O que justifica então a expressiva votação no partido governo? Três coisas: desenvolvimento, síndrome da invasão eminente (ou revivalismo pós-Sèvres) e incompetência.

Desenvolvimento! A Turquia, de facto, está numa fase de crescimento e desenolvimento económico. Para alguém que saiu de Portugal, depressivo e onde a ordem é "fechar", é impressionante o pulsar vibrante de uma economia em crescimento. Na cidade onde estou, para dar um pequeno exemplo, têm abertos novos estabelecimentos quase todas as semanas.

E pelas cidades onde já estive, o cenário pouco muda. O Desenvolvimento prometido pelo AKP tornou-se mais do que uma promessa e os cidadãos, transformados em eleitores, deram novo voto de confiança. Em especial os eleitores na faixa dos 35-50 anos estão muito agradecidos ao AKP, porque as memórias dos anos sob o jugo militar e o jugo do FMI ainda não foram esquecidas. E não são boas memórias!

Síndrome da invasão eminente (ou revivalismo pós-Sèvres). No pós I Guerra Mundial, o Império Otomano (prestes a tornar-se República da Turquia) foi dividido em áreas de influência sob controlo dos gregos, arménios, franceses, ingleses, italianos. Foi aliás a ameaça de implosão, que levou ao acelerar das movimentações dos Jovens Turcos.

Esta ideia de todos quererem invadir a Turquia ficou muito marcada! O Primeiro-Ministro, político hábil a usar o medo em seu proveito, sob instrumentalizar esta ideia. Os partidários mais leais do AKP falam, não raras vezes, de como "Eles" (os Outros países) querem controlar, comandar, condicionar a Turquia. A mesma Turquia que resiste à ideia do Inglês como língua franca. Mas isso é outra história!

É aqui que se enquadram as proibições ao Twitter e ao Youtube. O Primeiro-Ministro tentou (e ao que parece conseguiu) instilar a ideia de que os media sociais, de per si, estavam a engendrar um ataque contra ele, ao serviço de agendas estrangeiras. As proibições foram um mal necessário, pelo bem da pátria. Salva-se a pátria de fantasmas que não existem, estrangula-se a democracia.

Incompetência! Da oposição, que se perdeu no jogo de palavras tensas com o Primeiro-Ministro e que quis simplesmente cavalgar na onda dos vários escândalos que tem surgido, no pós-Protestos de Gezi Park. Mas cavalgar na onda do ataque, a quem faz do medo pequeno-almoço, só podia dar asneira. Faltou verdadeiro debate político. As eleições foram tensas, mas porque se "fulanizou" muito e idealizou pouco.

Incompetência! De quem não soube organizar as eleições, que muito ficaram a dever à democracia. Parcialismo mediático, cortes de luz (que o Comité Nacional de Eleições diz terem sido culpa de um gato... Um gato-ninja, com olho para cortes apenas nos locais onde decorriam contagens de votos sensíveis); pancadaria (mais de 70 feridos registados por todo o país) e dez mortos... Um quadro belíssimo, para um país que diz ser candidato (apesar de não ser bem esse o desejo!) à União Europeia.

E agora? Agora o ciclo ainda não fechou! Para já estão a fazer-se recontagens. Numa das cidades ganhas pelo AKP por um voto, a recontagem deu derrota por bem mais do que um voto. Em Ankara, onde a corrida se disputa taco a taco, a tensão reina e ontem os protestos foram regados com canhões de água. Felizmente (ironizo, claro!), o dia até estava quente...

Agora, o Primeiro-Ministro vai dar uma de Putin e em Junho deve apresentar-se como candidato à Presidência da República, nas primeiras eleições directas para a Presidência da República da Turquia... E (curiosamente) com o Presidente a ganhar alguns poderes que antes não tinha. O próximo Primeiro-Ministro não será esvaziado (ainda!) da sua capacidade executiva, mas ficará seguramente condicionado.

Entre eleições a Turquia terá que se decidir quanto à questão da Crimeia, com quem partilha o mar Negro; terá que decidir-se quanto ao que fazer na Síria; clarificar os apoios dados no Iraque; reconstruir as relações com o Egipto e ponderar, com seriedade, se quer mesmo entrar para a União, ou se uma parceria estratégica não servirá melhor os seus interesses.

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