A Eslováquia vai a jogo... Mas para quê?

Foi ontem assinado um acordo entre Kiev e Bratislava que, dizem alguns supostos entendidos, marca um começo do caminho para se garantir a independência energética da Ucrânia. Numa cerimónia cheia de sorrisos, flashes, assinaturas, apertos de mão e palavrinhas de circunstância a Naftogaz (Ucrânia) e a Eustream (Eslováquia) selaram o acordo.

O acordo Ucrânia-Eslováquia (novo porta-voz regional da UE?) vem na sequência da crise na Crimeia, dos levantamentos populares de Sloviansk, Kharkiv e Donetsk (para falar dos mais mediatizados) e da "guerrilha de sanções" entre Bruxelas/Washington e Moscovo. A União Europeia sabe que não consegue garantir o normal fornecimento energético da Ucrânia e o acordo de ontem (em princípio!) tenta dar a volta a isso.

A verificar-se uma autonomização da Ucrânia em relação aos recursos energéticos da Rússia, por via do acordo com a Eslováquia, poderíamos vir a assistir a um empoderamento do pequeno estado eslovaco, que suplantaria (e muito) a importância da França na gestão da actual crise. O acordo poderia ser lido como uma jogada de mestre da Eslováquia para ganhar algum protagonismo ao nível euro-regional. Poderia...

Há contudo um pequeno problema nisto tudo; uma questão que tem que ser feita. De onde vem o gás que a Eslováquia (e possivelmente a Hungria e a Polónia, numa segunda fase) quer revender à Ucrânia? Vem da Rússia. Portanto, a Ucrânia quer autonomizar-se do gás russo, comprando aos eslovacos (em revenda) gás que vem da Rússia.

Mais ainda, o tal acordo que os media tentaram mostrar quase como histórico (retórica mediática de uma nova Guerra Fria?) é na verdade um acordo para início de negociações. Até porque a aprovação final do acesso da Ucrânia ao tal gás revendido pela Eslováquia depende da Rússia. A mesma Rússia à qual a Ucrânia procura "fugir" com este acordo.

A Eslováquia, que num acto de boa vontade, ou de pressão por parte de Bruxelas, abre agora negociações com a Ucrânia terá que ter cuidado no processo negocial. Cuidado porque a Rússia tem poder de veto sobre projectos desta natureza. Cuidado porque a Eslováquia entra em águas turvas, do ponto de vista legal (já o disse o Comissário Europeu para a Energia). Cuidado porque a Rússia pode sempre deixar de vender gás à Eslováquia e depois nem para revenda (à Ucrânia), nem para consumo próprio.

O acordo de ontem mostra, uma vez mais, o uso daquilo a que chamei de Summer Soft Power, ou diplomacia manipulativa de Verão. A União Europeia tem mantido um elevado nível de assertividade retórica na questão da Ucrânia porque, de momento, a mesma Ucrânia não precisa do gás russo para se aquecer. A UE tem jogado com Washington, mas parece ter esquecido que Washington está longe e tem autonomia de recursos energéticos.

Algo diz ao Fidalgo que quando chegar o Inverno (com temperaturas que vão facilmente aos -15ºC/-20ºC) a mesma União Europeia poderá não conseguir ser tão assertiva. Quando chegar o Inverno Bruxelas terá que passar de uma diplomacia confrontacional a uma diplomacia mais diplomática, passo o pleonasmo. Resta saber se na altura Moscovo, fustigada por vagas de sanções (muitas delas pouco sérias!), ainda estará disposta para negociar.


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