Não sei agarrar fumo...

Cheguei a 18 de Janeiro! Mal dormi nessa noite, tenho a memória clara de ter acordado umas oito, se não mesmo nove, vezes. A ansiedade percorria o meu corpo, enquanto a adrenalina transformava as minhas células num sambódromo de excitação. As horas "preso" dentro dos passarões de metal que me levaram de Ankara a Lisboa passaram lentamente.

Aterrei em Lisboa! Tentei controlar a emoção de estar em Lisboa, de estar de novo no meu país, mas falhei em todas as tentativas. A minha bagagem, como quase sempre, foi uma das últimas a surgir no tapete número oito. Tirei-a de uma só vez. E depois de transpor um corredor lá estavam eles: olhos que ansiavam por me ver chegar e gritos de alegria. E o rosto da minha mãe, iluminado de alegria numa Lisboa carregada com nuvens cinzentas.

Viemos para Abrantes. Pelo caminho recebi flores; comi broas; comi uma bifana (ao preço de caviar russo!) e ouvi a língua de Lídia Jorge e Mário de Carvalho desfilar pelos meus ouvidos. Vim para Abrantes, para a capital do meu pequeno reino. Sabia que teria apenas três semanas; um pequeno interregno no exílio que fui forçado a escolher.

E os rostos surgiram. Os amigos foram aparecendo. Os beijinhos, os apertos de mão, os abraços foram acariciando a saudade. E a saudade tornou-se alegria, mas não desapareceu. Porque ser português é ser saudade, isso sei-o agora. Mas preferia não saber... Até o meu telemóvel com o número de Portugal ganhou vida, com os toques de SMS e as chamadas. Pequenos rituais que não terei quando voltar...

Abrantes, a capital do meu reino, soube abraçar-me com o calor da amizade e mostrar-me porque tenho saudades, quando Abrantes se torna apenas uma memória, uma fotografia, um tag. E não fui só eu quem foi abraçado; enquanto me abraçava, a minha mãe era abraçada pelo conforto de me ter por perto. Orgulha-se de tudo o que faço, mas queria poder orgulhar-se e ter-me por perto. Mas há gente em S. Bento e na Avenida D. Carlos I que discorda dela...

Lisboa foi a cidade seguinte. E eu que adoro sair à noite, adorei uma Lisboa caseira. Dois dias e meio passados em duas casas, que me souberam ao mel doce de Samsun. Dois dias e meio de conversa, de sorrisos, de reviver memórias e de criar novas estórias. Sentia Lisboa a dar-me um beijo na nuca, como que a desculpar-se por ser a porta de saída, depois de ter sido a de entrada. Foi em Lisboa que aterrei e será dela que partirei. Ironias!

Porto! O meu santuário, como há três anos lhe chamei. Cidade bonita, enegracida pelas nuvens paquidérmicas que se passeiam demoradamente e, contudo, iluminada pelo coração generoso dos que lá habitam. Revi gentes, sonhos, esperanças. Revi pessoas que foram entrando naquilo que sou e senti-me, uma vez mais, em casa. Abrantes é a capital do meu reino, mas o Porto é o santuário. Ambas as cidades importam! E só isso interessa.

Abrantes. Regressei com alegria no rosto. Contente por ver as minhas irmãs, a minha mãe, os meus amigos, o meu pai e todos os outros que importam. Foi com alegria que ontem me deitei, depois de cantar e ouvir cantar com amigos e desconhecidos. Depois de um ensaio, em que a saudade ensaiou o seu regresso triunfal. As três semanas estão a acabar...

Acordei meio melancólico. Sei que tenho poucos dias pela frente; que tenho menos de noventa e seis horas; que tenho menos de 5760 minutos. Sei que está na hora de partir, para poder regressar. Sei que não adianta tentar deter o tempo, porque não só não deterei o tempo, como perderei tempo a tentar. E a saudade feita melancolia tenta instalar-se.

Mas ainda é cedo. Não posso parar o tempo, mas posso aproveitar o tempo que ainda tenho. Posso focar-me em viver cada segundo, gravando-o na minha memória, em vez de lamentar o final desses mesmos segundos. Posso optar por sorrir, enquanto é tempo, em vez de chorar, antes de ser tempo de chorar. E é isso que farei. Não sei agarrar fumo, mas sei engarrafá-lo. E, enquanto aqui estiver, é isso que farei.

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