Parasita me confesso!

O Concurso Individual de Bolsas de Doutoramento e Pós-Doutoramento 2013 tem gerado uma onda de reacções muito curiosas. Das dúvidas sobre a legalidade de todos os procedimentos, das questões sobre a idoneidade de todos os júris, das interrogações sobre a justiça de todas as avalições efectuadas há um argumento que tem chamado a atenção do Fidalgo: o parasitismo.

Um grupo de gente tem tentado passar a ideia do investigador, que depende da bolsa para a sua sobrevivência, como sendo um parasita que suga o "sangue" do todo social (dinheiro, entenda-se!). O investigador é visto como uma espécie de carraça, de utilidade diminuta cuja única função é sugar, sugar, sugar e por isso reduzir investimento de investigação em mais de 65% é não só normal, como muito desejável para purgar o sistema.

Eu, perante tal argumento, parasita me confesso! E, como parasita, acho curioso que aqueles que me antropomorfizam sejam os mesmos que, no começo do ciclo da Hiper-Austeridade-Técnocrática, viam os portugueses como uns serzinhos meio-estúpidos, que só sabiam gastar e que mereciam as punições dos sete círculos do Inferno para civilizarem. Estas são as mesmas pessoas, têm em crer este parasita confesso, que diziam que "não podemos comer bife todos os dias"...

Obviamente que nos quatro anos que recebi bolsa de investigação, que deveria ser chamado de contrato de investigação já que exige plano de actividades e exclusividade, não fiz nada sem ser parasitar. As mais de quarenta comunicações em conferências, fóruns, cimeiras, palestras e aulas abertas em Portugal e no estrangeiro foram um exercício de parasitismo. Recebi dinheiro para divulgar Ciência e Conhecimento... Pede este parasita desculpas pelo ultraje.

Os artigos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais e os capítulos de livros em duas publicações de países do Espaço Pós-Soviético (área de especialidade deste parasita), que contribuiram para mostrar que em certos domínios do conhecimento Portugal dá cartas foram, uma vez mais, um abjecto exercício de parasitismo. Receber dinheiro para elevar o nome do meu centro de investigação e, claro, do meu país é aquilo que um parasita competente tende a fazer... Desculpem-me!

Fui ainda mais parasita quando, com o trabalho financiado pela dita bolsa, consegui ser nomeado como Embaixador Honorário de um Fórum na Rússia, Responsável pelo Programa Científico de uma Conferência em França e Director Académico de uma Cimeira na Índia. Os parasitas que vivem da constante sucção tendem, curioso, a produzir e não apenas a vegetar enquanto a bolsa pinga. A mesma bolsa que, repito, exige exclusividade e é apenas bolsa por falta de legislação que defenda a carreira de investigador.

A bolsa de investigação, o precioso sangue que o parasita (como eu) precisa funciona como uma espécie de ordenado... Aquilo que os trabalhadores recebem pelo seu trabalho. A bolsa funciona do mesmo modo, com menos regalias, sem qualquer protecção e com muito mais incertezas quanto ao ano seguinte. O parasita vive sempre no limiar da rejeição, mas como só tem que parasitar (pensam certas cegonhas!), o parasita aguenta-se.

A visão do investigador das Ciências Sociais como parasita parte do pressuposto de que as Ciências Sociais nem sequer são ciências... Pelo menos se comparadas com as Ciências Exactas! E porquê: porque os parasitas dos investigadores sociais não quantificam tudo; não conseguem fazer fórmulas elegantes para entender o devir social; não conseguem estancar a originalidade complexa da vida humana. Como as Ciências Sociais não robotizam tudo, não são Ciência...

Até posso concordar que não são Ciência, mas continuam a ser Conhecimento e se o Conhecimento não é suficiente lastro para que algo seja Ciência, não sei o que será... Porque os números são importantes, mas existe vida para além dos mesmos. Porque as Ciências Sociais, apesar de parasitárias e inúteis, se bem entendidas têm um potencial extraordinário de facilitação e melhoramento da vida social.

Não conseguimos quantificar, mas conseguimos qualificar, explicar, entender. Não conseguimos fórmulas elegantes, mas os esquemas e paradigmas analíticos (se entendidos sem dogmatismos e com o natural distanciamento epistémico) conseguem prever, antever e compreender muitos dos fenómenos sociais. Mas para isso é preciso entender os mesmos modelos; aperfeiçoar as suas falhas e alguém terá ainda que os explicar ao todo social... Ou seja, não se podem matar todos os parasitas! Que maçada!

Parasita me confesso! Mas não aceito que olhem para mim, investigador, como inoperante e improdutivo só porque não se consegue por um preço no conhecimento; só porque não se pode taxar o mundo das ideias e dos conceitos. Não aceito que diminuam o que eu faço, por não entenderem o que eu faço, ou apenas por não poderem vender o que eu faço. Parasita me confesso... Mas aquilo que fui parasitando gerou frutos... Enquanto outras peças de fruta, livres do parasitismo, vão apodrecendo...


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