O "Marie Antoinettismo" ataca de novo...

Nas sociedade hodiernas os meios de comunicação social ocupam um extraordinário espaço de destaque, não apenas pela informação que veiculam/produzem mas também pelas opiniões que são transmitidas. Em Portugal o monopólio das opiniões leva a que sejam quase sempre os mesmos a falar de tudo e que, esses mesmos, incorram em vários lapsos linguae... Para não dizer disparates!

De entre os vários erros, disparates e alarvidades que vou lendo tenho que confessar que sinto uma simpatia por um sub-sector de gente que parece comentar directamente da estratosfera. Um grupinho de gente alheado da realidade quotidiana a que chamo de "Marie Antoinettismo".

A musa inspiradora destes senhores e senhoras é D. Maria Antoinette, esposa de Luís XVI (Rei de França), que ouvindo os clamores do povo que pedia por pão para matar a fome terá dito "não têm pão, que comam brioche". Ou seja, o "Marie Antoinettismo" está próximo do popular "estar com a cabeça na lua", sendo contudo mais dramático!

Pequeno parêntisis para dizer que, em boa verdade, a frase foi injustamente atribuída à monarca. Segundo a historiadora Évelyne Lever, a oração em causa terá sido redigida por Jean-Jacques Rousseau, numa obra publicada em 1741. Ora sabendo que Marie Antoinette só nasceu perto do final do ano de 1755 facilmente se percebe que a Rainha, conhecida primeiro como Madame Escândalo e depois como Madame Déficit, ganhou fama sobre o que não disse...

Mas voltemos aos protagonistas lusos do "Marie Antoinettismo". Já tivemos um Ministro, que deixaria de o sair, que incitou à migração para quem não tinha emprego. Uma espécie de "vá para fora, que não há cá dentro", porque quem governa "cá dentro" não sabe como fazer para haver... Já tivemos um apelo para que se comam menos bifes, vindo de quem coordena uma instituição de solidariedade alimentar. No fundo, no fundo, o português precisa é de fazer dieta... nem que seja à força!

Já tivemos uma sugestão, de um ex-conselheiro do governo, para que que se baixassem os salários urgentemente que isso iria criar emprego. Porque, de facto, os portugueses têm salários elevados, se  comparados com o Burkina Faso, o Turquemenistão e o Sudão do Sul ou a Eritreia. Mas se nos compararmos com os "parceiros europeus" tenderemos a corar de vergonha. Os "Marie Antoinettistas" têm ideias próprias de quem vive no mundo dos gabinetes alcatifados, tal como Marie Antoinette vivia na corte de Versalhes...

A última que li, nas redes sociais, dava conta de que o economista João César das Neves terá dito que "o actual surto de saída de portugueses alivia a taxa de desemprego, promove a situação dos que partem e beneficia os países de destino com excelentes colaboradores. Por outro lado, na era do Skype, e-mail e Facebook, a distância significa muito menos afastamento".

Vamos lá por partes! 1.) Quem considera que a solução de um país passa pelo êxodo da população qualificada rumo ao exterior, ou não pensa no que diz, ou não percebe o que diz, ou está tão entranhado nas suas ideologias-numerológicas que não faz o esforço de pensar para perceber o que diz. É certo que a taxa de desemprego alivia, porque há menos gente a procurar o dito emprego. Mas desde quando é que isso promove a situação dos que ficam?

Se uma árvore tiver quatro maçãs e duas forem levadas pelo vento a hipótese de as outras duas serem escolhidas para, digamos, fazer uma saladinha de fruta é maior? Talvez! Mas e se o cozinheiro quisesse as maçãs que o vento levou, em detrimento das que ficaram? Então não só a árvore perdeu duas maçãs, como a salada de fruta não se faz. Percebe? A saída de uns não implica, necessariamente, a promoção de outros. E eu bem sei que pouco entendo de economia.

2.) Concordo! Se bem que a vaga migratória a que Portugal assiste, é bem diferente da que assistiu nos anos 1960; ou o meu caro acha que vivemos o mesmo fenómeno?. A austeridade e a crise, casal mortal para quem queria apenas sonhar, tem levado a uma verdadeira fuga de cérebros; grupo este no qual, permitam-me a falta de modéstia, me incluo.

O país assiste à debandada de um grupo de jovens altamente qualificados, nos quais o país investiu mais de vinte anos de recursos possibilitando uma boa educação, e no momento do retorno (de colher o que se plantou!) acha-se normal a migração porque os "países de destino ganham excelentes colaboradores"? Os países de destino aplaudem, por certo, mas em que é que isso beneficia o país de origem?

3.) O Skype, o Facebook e o e-mail fazem com a que distância signifique menos afastamento? É uma brincadeira, certo? Por muitos emails que eu escreva, nada substitui o poder olhar nos verdes olhos da minha mãe enquanto ela me dá um beijo de boa noite. Por muitos posts que coloque no facebook, nada substitui as idas ao café no convívio de amigos.

O Skype permite falar e ver aqueles que a incompetência de uma geração de governantes nos roubou, concordo. Mas o Skype não permite tocar; não permite o delicioso contacto da pele com a pele; não permite um sem número de coisas que não vou descrever, porque duvido que entendesse. São coisas sem valor económico; são coisas que não se podem calcular numa bonita tabela de excel, nem demonstrar num gráfico cheio de cores.

Os "Marie Antoinettistas" seriam engraçados, pelos disparates que dizem, não fosse a dimensão do momento que se vive. Num país mergulhado numa crise de expectativas, que se vê abraços com a fuga de uma geração com imenso potencial produtivo, este tipo de comentário-laracha não ajuda em nada. Todos temos direito a ter opinião, mas convinha que essas opiniões fossem menos esparvoadas quando temos perante nós os holofotes dos media... Fica o conselho!


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