Porquê agora? Porquê em Volgogrado?

Ainda estou meio incrédulo com o que se passou nas últimas 36 horas. Num curto espaço de tempo a cidade de Volgogrado, localizada no Distrito Federal do Sul da Federação da Rússia, foi sacudida por dois atentados bombistas: no Domingo o ataque aconteceu na estação de comboios matando 17 pessoas; hoje foi na estação de autocarros vitimando, pelo menos, 14 pessoas.

O Comité Investigativo da Rússia diz que os dois atentados podem estar ligados e estou em crer que estarão mesmo. Duas questões têm que ser respondidas: porquê agora? Porquê Volgogrado? Vamos ao agora: os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi (cidade localizada no krai de Krasnodar, no mesmo Distrito Federal em que se encontra Volgogrado) estão a chegar e as forças leais a Dokka Umarov estão activas. Qualquer ligação deste atentado aos activistas Circasses é, tanto quanto consigo apurar, pura especulação.

É importante lembrar que em Julho deste ano, Dokka Umarov, auto-nomeado líder do II Emirato Caucasiano (projecto que visa unir as repúblicas do Cáucaso Norte num só estado, sujeito às leis da sharia), lançou um vídeo em que dizia que a ordem para não atacar fora do Cáucaso Norte estava suspensa. Umarov foi mais longe! No vídeo pedia a todos os mujahideen (guerrilheiros da jihad islâmica) que travassem a "dança satânica dos russos, sobre os ossos dos seus antepassados".

No final de Outubro, uma bombista-suicida (provavelmente uma Viúva Negra) deu a primeira resposta a Umarov ao explodir-se dentro de um autocarro na cidade de... Volgogrado! Seis pessoas morreram e quase 40 ficaram feridas. Na sexta-feira, 28 de Dezembro, uma bomba num carro em Pyatigorsk (a 270km de Sochi) matou três pessoas. O pedido de Umarov, que se considerava fragilizado por lutas internas contra alguns dos seus comandantes inguches, encontrava assim nova resposta.

Ontem e hoje, Volgogrado voltou a ser palco de dois atentados, muito possivelmente ambos com recurso a Viúvas Negras (nome dado à ala de viúvas de bombistas-suicidas, que se decidem sacrificar pela jihad). O timing não podia ser mais perfeito, seguindo o boicote (não assumido!) de altos dignatários da França, da Alemanha, do Reino Unido, dos Estados Unidos, da Lituânia e da Moldova. Umarov quer mostrar a Putin que perde aliados no plano externo e controlo no plano interno.

Mas se o timing está respondido, o alvo fica por explicar. Porquê Volgogrado? Duas razões: simbolismo e localização. Comecemos pela segunda: O oblast de Volgogrado fica entre as repúblicas islâmicas do Cáucaso Norte e as repúblicas islâmicas do Médio Volga o que facilita ataques coordenados. Não deixa de ser curioso que a distância, usando transportes terrestres, entre o Daguestão (Cáucaso Norte) e Volgogrado seja de menos de 960km; e a distância entre o Tataristão (Médio Volga) e o Volgogrado seja de menos de 1050km.

Simbolismo! Um ataque em Rostov-on-Don faria mais sentido. A cidade é não só a capital do Oblast de Rostov mas também é a capital do Distrito Federal do Sul, o mesmo que abarca Sochi; a tal cidade que receberá em 2014 os Jogos Olímpicos de Inverno. Mas Rostov-on-Don é um alvo tão óbvio que Umarov sabia ser mais fácil contornar e apontar armas a Volgogrado.

Mas os ataques em Volgogrado têm um segundo sentido! Em Fevereiro deste ano, o Presidente Putin decretou que a cidade de Volgogrado se chamaria durante seis dias, todos os anos a partir de 2013, de Estalinegrado. Sabendo que Putin é fã de Estaline; sabendo que o ataque em Rostov-on-Don era esperado; Umarov apontou armas a Volgogrado e, diria eu, com muito sucesso.

Dokka Umarov mostrou ser capaz de atacar fora do Cáucaso Norte. O ataque demonstra que a aparente "pacificação" do conflito na Chechénia resultou não apenas num alastrar da violência para as vizinhas repúblicas do Daguestão e da Inguchétia; mas também numa nova vaga de violência na República Pacífica de Kabardino-Balkaria (assim apelidada até 2009) e, ao que parece, num novo ciclo de violência e terror nas repúblicas islâmicas do Médio Volga.

A ameaça feita em vídeo concretizou-se e temo que não se fique por aqui. Nas últimas semanas, Umarov mostrou ser capaz de atacar (simbolicamente!) o burgo de Estaline; o mesmo Estaline das purgas e deportações dos anos 30 e 40; o mesmo Estaline que Putin idolatra. Volgogrado deu a Umarov a hipótese única de "atacar" dois líderes de uma só vez; deu a Umarov a hipótese de atacar o Presente (Putin) e vingar o Passado (Estaline).

O que se segue? É difícil saber o que se segue, mas não devemos excluir mais ataques destes. Desta feita, contudo, com o FSB de olhos postos em Volgogrado é preciso ter atenção nas cidades de Rostov-on-Don, Pyatigorsk, Stavropol, Krasnodar (capital do krai de Krasnodar, no qual se encontra englobada a cidade de Sochi) e Maykop (república-enclave do mesmo krai). Uma coisa é certa, quem dizia que o II Emirato Caucasiano implodiria após o fracassado "golpe palaciano" de Agosto de 2010 estava enganado... E muito...


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