Natal com neve, com árvore, mas sem lista....

Sempre achei que devia ser espectacular o Natal ter neve. Ver neve cair lentamente, enquanto se abrem os presentes e se comem as filhoses. E o Pai Natal, atento, decidiu conceder-me o desejo. Curiosamente, o Pai Natal não percebeu, talvez culpa minha, que eu queria um Natal com neve, junto dos amigos e da família.

A neve seria apenas acessória... Um elemento decorativo. Mas não fui suficientemente claro naquilo que pedia. Hoje, aqui, tenho neve, tenho frio para manter a neve, mas não tenho família, nem amigos por perto. Mudanças, mudanças, mudanças...

Lembrei-me hoje da transição natalícia para a Adolescência, esse momento deliciosamente confuso em que somos crianças e adultos ao mesmo tempo. Esse momento em que somos "crescidos" demais para ser considerados crianças e "maduros" de menos para sermos vistos como adultos. Esse momento em que mais do que Ser nos construímos no Não-Ser. Não ser criança, nem adulto, sendo algo na mesma...

Lembro-me de como aos catorze anos, orgulho-me de ter sido criança por muito tempo (de que importa acelerar o Tempo? se o tempo, tem tempo para lá chegar!), o Natal foi confuso. Os habituais presentes compostos em 90% por livros e brinquedos transformaram-se num desfilar de roupa, perfumes, sapatos... E, sorte minha, dois livros. Brinquedos? ZERO! Mantive um sorriso no rosto, mas o desencanto em mim era notório.

Aguardei pelo re-começo das aulas, para perceber o que pensavam os meus amigos e colegas de escola. Estavam radiantes com os presentes, mas também eles não tinham recebido nada para brincar. Talvez a culpa fosse minha? Talvez... Mas roupa ia-se comprando ao longo do ano; Natal era para brincar, a regra tinha-me servido bem por treze Natais para quê mudar? Talvez fosse um precalço natalício! Mas aos quinze anos, o Natal não trouxe de novo brinquedos...

Aos poucos percebi que o Natal não tinha que perder a magia, só porque eu perdera os brinquedos. O Natal ia transformar-se e eu teria que me ir adaptando. O Natal, como eu, sofreria metamorfoses. Para controlar o Natal, aos dezassete anos, comecei a fazer listas de presentes. Se o Natal iria perder a doce estabilidade do passado, iria, ao menos, tentar controlar o caos do inesperado. Iria tentar...

Curiosamente roupa não constou das listas até aos vinte e um anos. Acessórios, livros, cd's, dvd's, jogos para PC (isto é, os brinquedos dos crescidos!) chegaram a cobrir 4 páginas escritas com o cuidado de quem não quer perder o controlo. A magia do Natal passava a estar não apenas no espírito da época, mas também na capacidade controlar o incontrolável. Ser surpreendido? Sim, desde que conste da lista.

E aos vinte e sete anos não fiz lista. Aos vinte e sete anos não preciso controlar a noite de 24 de Dezembro, porque será uma noite igual a muitas outras. Aos vinte e sete anos adoraria ser surpreendido pelo Natal, mas o Natal não andará por estas paragens. Sou possivelmente o único habitante de Kirikkale a quem o dia de hoje diz alguma coisa. Sou possivelmente o único que sente uma nostalgia por não estar numa pequena cidade a mais de 3547km deste sítio.

Tenho neve. Tenho uma pequena árvore de Natal. Tenho um anel de jade que comprei para mim mesmo, em Konya. Mas não tenho o resto. Nem a lista fiz. E aos vinte e sete anos o meu Natal resume-se a um sorrir por reviver memórias; a um vaguear pelas redes sociais; a um esperar que chegue o dia em que poderei comemorar (com lista e tudo!) o Natal...

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