Sem castanhas, sem jeropiga.. Sem S. Martinho...

O dia de S. Martinho é uma daquelas comemorações que sempre me agradou, pela genuina simplicidade da mesma. É daquelas comemorações que não precisa de feriado para acontecer; que não precisa de discursos oficiais; de paradas e maratonas de filmes. É uma comemoração simples e generosa que celebra isso mesmo... A generosidade humana no seu estado mais pueril. A simplicidade do acto de dar, sem esperar receber!

O dia de S. Martinho não tendo feriado, algo que agradará a certos governantes, tem os seus rituais dos quais as castanhas e a jeropiga (ou água-pé!) são os mais importantes. As broas também entram na festa, mas as broas, por norma, começam o seu reinado com o Dia de Todos os Santos. O tal dia que já foi feriado e que, por vicissitudes da demagogia austeritário-tecnocrática, deixou de o ser...

O dia de S. Martinho não é feriado mas tem rituais imprescindíveis que o marcam. Rituais que este ano não pude cumprir. Não tive castanhas, nem jeropiga, nem mesmo broas. Não tive roupas mais quentinhas. Não tive sorrisos em família. Não tive direito a um serão relaxado, oferta de um S. Martinho que, em anos anteriores, nunca me falhou. Não tive e tão cedo não terei...

Por culpa de uma série de coisas que não fiz fui forçado a mudar de país. Não me interpretem mal, sempre quis migrar. Sempre pensei em internacionalizar a minha carreira. Sempre tive nos meus planos experimentar outros palcos, para além do jardim lusitano. Sempre ambicionei ir até outras paragens... Mas sempre pensei que isso aconteceria por minha escolha e não por falta de escolhas. Sempre pensei que isso seria um passo meu e não um empurrão alheio...

Sabia que abdicaria do S. Martinho, que teria que passar algum tempo sem o sabor da jeropiga, o calor das castanhas assadas e o doce das broas; sabia que teria de prescindir dos abraços da família, do café com os amigos. Sabia isso tudo e mesmo assim queria, sempre quis, internacionalizar-me. Sempre soube que iria descobrir outros mundos, neste mundo. Mas, repito, sempre achei que seria EU a escolher o momento... Eu e não uma grupeta de gente fechada em gabinetes estofados, lá para os lados de S. Bento...

E por isso não sinto que abdiquei do S. Martinho. Não sinto que fiquei sem jeropiga, sem castanhas, sem broas e sem a presença da família. Sinto que me roubaram... Que assaltaram as minhas esperanças e aceleraram os meus planos; porque ou saia para fora, ou não iria a lado nenhum. E, talvez culpa minha?, não me vejo a fazer nenhum! Sinto que me assaltaram expectativas, depois de anos a fio a venderem sonhos que estou a cumprir, é verdade, mas com um custo enorme e com um guião novo...

E, porque já me tiraram muito, o Fidalgo fica-se por aqui... E a quem anda nos tais gabinetes estofados espero que a jeropiga não tenha o sabor salgado das lágrimas de quem parte; desejo que as castanhas não tenham o gosto amargo de quem abdica de muito; anseio que as broas não desiludam as bocas, de quem desiludiu não uma mas várias gerações... A vocês um bom S. Martinho...

E a todos os outros um FELIZ S. MARTINHO!


Comments