Kiev entalada entre a "pressão" e a "diplomacia"

Tem sido interessante acompanhar os últimos dias antes da Conferência de Vilnius que irá marcar o arranque da "Parceria com o Leste". A Parceria irá funcionar como uma espécie de sala de espera, onde os parceiros aguardaram a sua vez para entrarem no Palacete Europeu, dominado pela auto-proclamada Imperatriz sedeada em Berlim.

O problema é que o Palacete Europeu não tem, por agora, mais quartos. Após as últimas vagas o número de membros como que duplicou e os residentes ainda tentam entender-se. A desorganização não sendo total é enorme e o Palacete, para além da fachada, dá mais sinais de erosão do que de renovação. A tecnocracia nunca deveria ter tomado conta de Bruxelas e agora Bruxelas ameaça não conseguir tomar conta dos seus residentes...

Nos últimos meses a União Europeia sofreu alguns reveses inesperados. A Arménia decidiu abandonar a rota Europeizante e abraçar as oferendas vindas de Moscovo. A Moldova e a Geórgia, apresentadas como campeãs da Parceria, esfriaram o entusiasmo com que olham para Bruxelas. A Moldova assinará, quase certo, o acordo da "Parceria de Leste," mas fá-lo-á com o mesmo espírito desconfiado com que a Polónia e a Croácia entraram para a UE.

A Geórgia é provável que assine o acordo, mas está longe de ser garantido. E subestimar a atractividade de Moscovo é sempre um erro que devemos evitar. A Ucrânia torna-se, por isso, indispensável ao sucesso da conferência. Nas últimas semanas o Fidalgo tem lido imensas coisas sobre o jogo que se disputa em torno de Kiev e registo a linguagem usada, resquício da Guerra Fria, que tarda em arrefecer nas cabeças de muito boa gente...

Quando a União Europeia avança com propostas, com oferendas, com ideias para unir Kiev e Bruxelas fala-se em cooperação e diplomacia; fala-se em avanços e em progresso. Quando a Rússia faz exactamente o mesmo, para atrair Kiev para a sua União Eurasiática, então já é pressão inaceitável, retrocesso, alienação diplomática; então torna-se o progresso em recuo...

De Berlim, hoje, a auto-nomeada Imperatriz falava nos benefícios do acordo EU-Ucrânia, para aligeirar Kiev do jugo muscovita. Não parece ao Fidalgo grande  mudança, a troca de um suserano por outro. E se Kiev pensa que o Urso de Berlim é mais amistoso do que o Urso de Moscovo está muito enganada. A única diferença entre os Ursos contendentes é a cor do pêlo (a tal Democracia!), porque a ferocidade essa é a mesma.

Como quer esta União Europeia ter um diálogo construtivo com a vizinha Eurasiática, se ainda olha para a mesma com as lentes redutoras da Guerra Fria. Como quer Bruxelas ser levada a sério por Moscovo se ainda se preserva a mentalidade de quem não viu, ou não quis ver, o arrear da bandeira da União Soviética no final de 1991.

Enquanto Bruxelas deixar os seus ditâmes entregues aos rugidos do Urso de Berlim, sem apelo nem agravo do que os restantes residentes do Palacete têm a dizer, não será de estranhar que iniciativas como o referendo de Cameron à permanência de Londres na UE, ou a "chamada" para a formação de uma Frente Latina por Letta se repliquem e multiquem.

Kiev está entalada entre a "pressão" e a "diplomacia", porque a UE está entalada entre a erosão e a necessidade de fazer uma reforma sem reformadores competentes para a executar. Kiev está entalada entre dois blocos, porque quer fingir-se Euro-cosmopolita e renegar ao seu legado eslavo. Mas, desta feita, talvez seja na eslavofilia que reside a melhor oferta...


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