De manhã Santuário, de tarde Gulag!

O Fidalgo anda, por estes dias, confuso com imensa coisa que lê, que vê e que ouve. Torna-se por isso difícil saber sobre o que escrever. Mas no meio de tanto ruído informativo, muito do qual gera mais entropia do que verdadeira gnose, o Fidalgo privilegia as contradições; as mutações de posição; os oxímoros atitudinais...

A Presidente da Assembleia da República, após os protestos da polícia frente à escadaria do Parlamento, disse ficar contente com o "desaguar" dos protestos frente à Casa que representa. Segundo a mesma, numa visão muito criativa (para ser simpático!), os protestos terminam frente ao Parlamento, porque o Parlamento simboliza esperança. Porque o povo vê no Parlamento uma espécie de farol, quando a noite austera turva os sentidos...

 Acho estranho falarmos em Esperança, se nos lembrarmos de palavras como "Gatunos", "Demissão", "Vigaristas" impressas em tantos cartazes e dirigidas, directa e exclusivamente, a quem se passeia pelos corredores da Assembleia da República. Acho curioso entenderem-se gritos de protesto de claro antagonismo entre o populus e os parlamentariis, como sinais de Esperança... Mas enfim...

Fico contudo surpreso ao saber, segundo os media, que a mesma Presidente da Assembleia da República pondera criminalizar os protestos dentro do Parlamento; dentro da tal Casa de Esperança; nas entranhas do Farol Virtuoso, que nos alumia na tempestade. Pretende limitar o acesso às galerias e, para o fazer, anda a estudar os regimes de outros países. Sugeria-lhe que começasse pela Bielorrússia, ou pelo Azerbaijão que é capaz de encontrar o que procura.

Portanto o Parlamento é local de Esperança, logo protesta-se à sua porta; mas protestar dentro do santuário é abomínavel e tem que ser, urgentemente, punido? Ora como é que isto se explica? Será que tal pessoa não entende que o direito ao protesto (com civismo, claro!) é parte integral da democracia; que o direito a pensar e agir diferente fazem parte do tal pluralismo democrático, que transcende o boletim do voto...

Não consigo compreender como é que de manhã o Parlamento é uma espécie de novo Santuário de Fátima, ao qual acorrem os peregrinos afoitos por causa da austeridade-modelo-Excel; e de tarde o Parlamento se transforma num gulag, fazendo dos deputados reféns de um Carnaval de medidas de segurança, para impedir a populaça de entrar e dizer o que pensa.

Apenas fenómenos do tipo Jekyll-Hyde, Hulk ou Homem-Lobisomem conseguem explicar tão radical transmutação, em tão pouco tempo. Será que tal pessoa, que foi eleita pelos pares, e portanto indirectamente eleita por todos nós, não entende que o Parlamento não é Seu mas Nosso?

Protestos, minha senhora, o parlamento sempre teve. Não sabia? Talvez, antes de ler os regimes de outros países (mais uma boa sugestão, para cumprir os seus intentos, será olhar para o Cazaquistão!), devesse ler a História do Parlamento e do modo como o protesto faz parte da vida do mesmo. Fica o conselho...


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