O triunfo da Errocracia...

Portugal viveu nas últimas três semanas uma crise política que, em termos literários, quase poderia dizer que começou em in finis res: ou seja começou pelo fim; já que o fim trouxe apenas um regresso ao começo. Para quem gostar menos de letras e mais de números a semana pode descrever-se como uma capicua. Mas chega de metáforas.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros pediu a sua demissão, na sequência da nomeação de uma nova Ministra das Finanças, pois que o anterior se demitira. Naquilo que, agora sabemos, foi um excesso de fervor linguístico disse que a sua decisão era irrevogável. Sabendo que o Ministro em causa é, também, líder do partido que suporta a coligação que apoia, ao nível parlamentar, o governo supôs-se que estava em causa a Governação do país...

O país político-mediático cindiu-se entre os que queriam a construção de um novo entendimento entre os dois líderes desavindos e os que clamavam por eleições. O Presidente da República foi engenhoso e propôs um plano alternativo: pediu aos três partidos mais representativos que construíssem um entendimento a médio-prazo. A ideia até poderia ser inteligente, mas ficar como espectador de um debate que se promove acabaria por ser um risco mal calculado...

O Partido Socialista respondeu ao apelo do Presidente, mas mostrou desde cedo uma estranha técnica negocial... O PS partiu para o diálogo, para atingir o tal "compromisso de salvação nacional", com espírito mais impositivo do que dialogante. E, por certo, a corda acabaria por rebentar. Na sexta-feira o PS anunciou que desistia das negociações e o compromisso desfez-se...

O PSD errou ao fazer micro-concepções que não se podem qualificar de "abertura ao diálogo", depois de durante dois anos ignorar completamente a Oposição e a maioria dos representantes da Sociedade Civil. O CDS errou, ao mostrar uma liderança com falta de princípios e com um entendimento dúbio de valores ético-morais. Errou também ao querer, durante dois anos, ser Governo e Oposição ao mesmo tempo, oxímoro impossível que a realidade dos factos acabaria por fazer implodir.

O Presidente da República, já o disse, errou ao afastar-se da negociação que propôs; ao não entender, ou ao não querer entender, o estado de fricção entre os partidos sentados na mesma mesa. E errou quando no discurso de ontem, onde não resistiu ao auto-elogio (algo frequente, de resto), disse que a sua solução era a melhor mas ficou-se por aí... Era a melhor solução, mas não teve coragem para tomar as rédeas da mesma? Estranho, não?

E agora como estamos? Continuamos sem saber se temos ou não temos Ministro dos Negócios Estrangeiros. Continuamos sem saber se o governo se remodela, com seriedade, ou se voltamos apenas a trocar alguns Secretários de Estado. Continuamos sem saber o conteúdo da proposta que tranquilizou o Presidente. Continuamos sem saber se isto foi um fim da instabilidade, ou interregno. Continuamos sem saber quando poderá a democracia, e já agora a racionalidade, entrar em jogo.

Mas nada disso importa. Já que afinal os mercados até serenaram...


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