Um estranho fazendeiro chamado Cavaco

A função presidencial, ao contrário do que algumas vozes têm tentado dizer, investe-se de uma série de poderes importantes para a estabilidade do jogo democrático, de acordo com as regras da III República. A função presidencial divide-se, se quisermos, em duas grandes áreas: 1.) mediação (entre agentes políticos e entre instituições); 2.) ligação/motivação com o populus.

A função de ligação/motivação do Presidente para com a população ganha, por certo, um destaque maior quando a situação económica e social do país se deteriora a cada avaliação dos troikeiros. O Presidente não precisa vir com "paninhos quentes" para com a populaça, mas talvez fosse importante mostrar que a Presidência sabe ouvir "as ruas" e que está do lado de quem mais importa: dos Portugueses!

Esta função do Presidente da República pode, e deve, ser cumprida nos discursos oficiais de dias cruciais para a memória colectiva como é o caso do 10 de Junho. Pode, deve, mas não foi o que aconteceu... Cavaco Silva, que deve contas ao país pelos erros cometidos pelos seus governos, achou que o Presidente da República de um país com quase 18% de desempregados e com uma nova vaga migratória a crescer de dia para dia deveria perder o seu tempo a deambular sobre o estado da agricultura.

Pior! O boletim, ao jeito do "Borda d'Água", falhou por ser impreciso, tendencioso e mesmo falacioso. A elegia ao tomate e ao agricultor-lutador parece esquecer anos de políticas (quase) anti-rurais; que escoaram as populações do interior para o litoral. O discurso mostrou uma extraordinária capacidade de desligamento para com o Portugal real; mostrou um Presidente que não preside e que a presidir, não sabe bem onde preside. Um problema...

O discurso de Cavaco Silva não foi uma mera oportunidade política perdida, foi um verdadeiro tiro no centro do pé. Ainda estou a recuperar do auto-elogio (muito comum no actual residente de Belém) que esquece políticas ridículas que deram prioridade ao betão e ao alcatrão, em detrimento de outros valores que não são vendáveis. Cavaco Silva não quer hostilizar o governo que tem protegido, mas ao não o fazer desprotege o povo que deveria proteger.

O elogio ao agricultor é tardio, se não mesmo pateta. E se a agricultura está a entrar num novo momento de força, com um ímpeto renovado esta deve-se à extraordinária criatividade e resiliência dos portugueses e não ao morador de Belém. Fica mal o auto-elogio a qualquer pessoa, fica pior ao Presidente de uma República que, tenho cada vez mais em crer, deveria ser Reino.

VIVA PORTUGAL!


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