Transição na Geórgia? Parece que sim!

E contra todos os cenários projectados uma dupla conjugação de dois resultados deixou meio mundo de analistas e especialistas, considero-me incluso na primeira categoria, de queixo caído... Não só o partido de Saakashvili não triunfou nas eleições parlamentares disputadas ontem, como assumiu essa mesma derrota. Um feito notável, verdade seja dita!

Numa certa perspectiva Saakashvili não perdeu. O sucesso da parada eleitoralista que desembocou num triunfo (maioritariamente) pacífico da Votocracia (pois que a Democracia transcende, ou deve transcender, o momento das Eleições) são legados do actual Presidente da Geórgia; são conquistas da sua governação, como fez questão de sublinhar no discurso de reconhecimento do "deslize" parlamentar.

A Oposição liderada por Ivanishvili, centrada no movimento partidário Sonho Georgiano, tem agora que acordar agora para uma realidade complexa que determinará, agora sim, o sucesso ou insucesso da Transição da Geórgia pós-Soviética. O mais difícil, parecia, seria vencer as eleições, derrubando o establishement Saakashviliano. Vencida essa barreira seguem-se desafios maiores!

Em primeiro lugar Ivanishvili pode ter vencido a corrida ao Parlamento, mas Saakashvili continua a ser Presidente da Geórgia. E o Sr. Presidente disse no discurso de aceitação da derrota que "discordo das premissas do Sonho Georgiano". Não é preciso ser especialista ou analista para adivinhar uma governação tensa nos próximos meses, já que não falamos de diferendos na forma mas sim de antagonismos no conteúdo.

Em segundo lugar, Ivanishvili tem nas mãos uma bomba-relógio. O seu movimento partidário, que agrega dezasseis forças partidárias mais pequenas, corre o risco de se desintegrar e perder impacto. Porquê? A razão da união e nascimento do Sonho Georgiano foi Negativa e não Positiva. A lógica era negar a Saakashvili uma vitória e isso foi conseguido. O que mais resta para unir as facções? Dinheiro de Ivanishvili? Mas então é Democracia ou Autocracia Eleitoralista?

Em terceiro lugar, Ivanishvili assumiu hoje que quer cooperar com a OTAN e com a Rússia. O problema, todavia, está em saber se a Rússia de Putin, que olha para Oriente e para Sul, quer colaborar com um país que nos últimos anos lhe tem feito oposição. O problema está em saber se a aliança com os EUA, e com a OTAN por extensão, é assim tão benéfica tendo em conta a inacção na Guerra dos Cinco Dias de Agosto de 2008.

Em quarto lugar, Ivanishvili terá de lidar com as questões dos separatismos da Abkhazia e da Ossétia do Sul. Reafirmar a unidade territorial georgiana, como tem feito Saakashvili, não acrescentará nada a quem quer promover transformações na Geórgia e dificultará o relacionamento com a Rússia, que de resto foi o primeiro estado do mundo a reconhecer as duas repúblicas.

Ivanishvili terá ainda que decidir se mantém a condenação do Genocídio Circasse emitida pelo Parlamento em Maio de 2011, ou se dá um passo atrás para agradar o poderoso vizinho do Norte. E a questão de criar um passaporte especial para todos os habitantes do Cáucaso Norte também terá que ser ponderada, pelo menos se a intenção de diálogo diplomático construtivo for mais do que uma promessa eleitoral.

De qualquer maneira, a Geórgia deu ontem um passo decisivo na construção da sua Democracia. Apesar dos perto de 100 incidentes registados pelos Observadores Internacionais, a votação decorreu com normalidade. Os vencedores e os vencidos aceitaram os resultados. A violência pós-eleitoral não se fez sentir. Falta ver agora como continua esta História...


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