Uma primeira leitura ao novo surto de instabilidade no Cáucaso

Anda tenso Cáucaso e desta vez não faço distinções entre Sul e Norte, porque é a Sul na República da Geórgia que se têm travado combates e perseguições a militantes islamitas extremistas; mas esses militantes vêm do Norte, da República do Daguestão. Passemos então a explicar...

A tensão político-militar tem sido uma constante no quotidiano do Cáucaso pós-soviético. Em 1993/1994 Guerras Russo-Georgianas e Arménio-Azeri marcaram o Sul, enquanto que a norte as duas Guerras Russo-Chechenas de 1999/2000 deixaram marcas até aos dias de hoje. Depois da chegada ao poder de Vladimir Putin a Rússia sacudiu o espectro da crise e da implosão (algo a que o historiador Gregory Freeze chamou de Catastroika) e começou a crescer económica e politicamente.

A mesma Rússia sentiu necessidade, já em século XXI, de fazer mostrar aos seus vizinhos mais próximos que ainda é um player a ter em conta e que nem mesmo a OTAN (NATO para os adeptos da anglofonia) a intimida: em 2008, com o mundo a olhar para Pequim, Moscovo e Tbilisi travaram um conflito que durou cinco dias e cujas culpas e razões se repartem entre ambas.

A guerra diplomática entre a Rússia e a Geórgia não tem esfriado. Do lado de Saakashvili avançou-se com o reconhecimento do genocídio dos Círcasses pelas forças imperiais russas em 1864 e com um projecto de liberalização dos vistos para os cidadãos das Repúblicas Ciscaucasianas. Moscovo respondeu com acusações de desestabilização (Putin chegou a culpar Tbilisi pelos protestos pós-eleitorais) e com uma exaltação da vitória (fácil!) alcançada na Guerra dos Cinco Dias de Agosto de 2008.

E agora a Geórgia tem a braços a "fuga" de militantes islamitas extremistas Daguestani, defensores do projecto do II Emirado Caucasiano de Dokka Umarov. Culpa de Moscovo? Para já não me parece que o seja... É óbvio que se podia ter feito mais, muito mais, para proteger a vida do Sheikh Said Afandi cuja morte ameaça desestabilizar todo o Cáucaso Norte. É óbvio que Moscovo deveria assumir que perdeu, desde 2009, o controlo da situação na região; mas isso é diferente de dizer que a Rússia está a exportar "problemas" para a Geórgia.

Mais ainda, é diferente de dizer que o separatismo Osseta e Abkhaz são apenas fruto de uma fabulação de Moscovo, como Tbilisi por vezes tenta vender. Putin pode ser acusado de muita coisa, mas desta feita creio que é do interesse do Kremlin serenar o Daguestão quando os relógios vão reduzindo o tempo que falta para os Jogos Olímpicos de Sochi 2014 e para o Mundial de Futebol na Rússia em 2018 (Grozny, Nalchik e Makhachkala já mostraram interesse em receber jogos).

A situação de tensão e confronto que se vive no Cáucaso resulta mormente de uma série de projectos políticos fracassados, muito por culpa do seu design deficitário que tende a ignorar as especificidades de uma zona pluridominial e etno-complexa, que deve ser entendida e organizada como tal. A criação de uma Zona Militar e de um Distrito Federal específicos para o Cáucaso Norte, mas a sua quase exclusão do recém-criado Conselho das Nacionalidades são uma de entre muitas provas da verdadeira esquizofrenia política que vai reinando no Cáucaso.

E por agora chega, que por certo voltarei a este assunto nos próximos dias...


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