E agora Líbia?

O Conselho Popular de Cyrenaica, na Líbia Oriental, declarou hoje a sua autonomia! O movimento, diz o Conselho Nacional de Transição, não tem, para já, validade legal, mas serve, digo eu, de balão de ensaio ao dito 'ambiente democrático' que a Líbia pós-Khadaffi iria começar... A Primavera Árabe vai ao ser terceiro exame (depois das eleições tensas na Tunísia e violentas no Egipto) e ameaça não ter nota para, na Líbia, não ir sequer a oral... A ver vamos!

A declaração de autonomia da região mais rica em petróleo, de toda a Líbia, causou reacções para todos os gostos. Os lealistas e saudosistas do anterior regime já brandem ameaças da implosão da Líbia! Os pró-autonomia, maioritariamente localizados em Cyrenaica (claro!), dizem que este é um direito "natural" de uma região tão castigada por Khadaffi. O Conselho Nacional de Transição vai pedindo calma, mas lembrando que o movimento é legalmente nulo...

Ora, parece-me a mim, se o Conselho Nacional de Transição decidir invalidar aquilo que os líderes etno-tribais e os representantes da sociedade civil acordaram, passaremos de uma declaração de autonomia, a uma vontade pela independência. E então poderemos ter não uma, mas duas (ou mesmo três) Líbias... Terreno pantanoso? Claro; mas não se podia esperar menos, depois de uma transição feita ao sabor da metralhadora e que deu poder político e simbólico a líderes etno-tribais há muito sem ele...

Os desafios na Líbia pós-Primavera Árabe são imensos e não falo, apenas, na reconstrução de um país devastado pela guerra contra os lealistas de Khadaffi e por uma série de "escaramuças" inter-tribais entretanto reacendidas. A Líbia tem que olhar para si e perceber se faz sentir manter este estado, onde várias etno-nações se sentem aprisionadas e poucas se sentem representadas.

A Líbia terá que olhar para si e perceber se o federalismo, ou o regionalismo, ou a autonomização de várias regiões são soluções viáveis e credíveis. A cisão em dois, três ou mais estados não deve, tenho em crer, ficar de fora da mesa. A Líbia, aliás, poderia ser o primeiro estado africano a "corrigir" os erros da famosa Conferência de Berlim de 1884/5, redesenhando as suas fronteiras pela via do diálogo e não pela via das balas e das bombas!

A Líbia, que se vê abraços com um primeiro bocejo do dominó autonomista, terá que decidir se quer tornar reais os votos de "respeito pela vontade popular", que foram usados para empossar o tal Conselho Nacional de Transição. Ou se os mesmos votos não passaram de um mero formalismo, para que novos rostos ocupassem a cadeira de Khadaffi... Novos rostos, não implicam, de per si, novas vontades; e a Líbia poderá mostrar-nos isso nas próximas semanas.

O Fidalgo, obviamente, estará aqui para tudo ver... E, se me aprouver, para comentar...


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