Da ajuda como instrumento ou como finalidade...

Não é hábito meu continuar o mesmo tema de uns posts para os outros, porque gosto de ir cruzando temáticas e espicaçando quem lê (e a mim enquanto escrevo) na construção de um puzzle mental. Mas desta vez quebro a regra e mantenho-me no tema do post anterior. E uma vez por culpa das notícias que vou publicando no Observatório de Segurança Humana.

Segundo as agências de ajuda internacional a resposta lenta da comunidade internacional aos problemas da África Oriental custam vidas, mais do que minutos. A cada decisão adiada, suspensa, prorrogada no tempo e que se passeia de corredor em corredor, de secretária em secretária, sucumbem mais umas quantas vidas. É que por detrás dos números tenebrosos estão seres humanos que se diluem nos caudais da História sem hipóteses de se realizarem por inteiro!

Mas, tal como já disse, o actual esquema não pode ser mantido. E agora levanto para discussão mais duas coisinhas... Primeiro vamos ao lado dos governos. A ajuda internacional não deve ser politizada e entendida como um instrumento de pressão diplomática. A ajuda internacional deveria desligar-se o mais possível dos interesses dos governantes, sendo contudo este um processo complexo e que exigiria um paradigma radicalmente novo... E que não vejo a ser sequer discutido.

Por outro lado a questão da mutação do paradigma da ajuda prende-se com o posicionamento que adoptamos. Se entendemos a ajuda como um fim de per si, se entendemos que o simples processo de dar dinheiro e enviar bens serve para suprir as necessidades das populações carenciadas então que não se mexa no paradigma actual. Para funcionar mal, mais vale este que já conhecemos.

Mas se começarmos a entender a ajuda como um instrumento de capacitação das populações locais então, peço desculpas, mas anda-se a fazer tudo ao contrário. A ajuda devia servir para capacitar as populações a que estas possam, num futuro breve, ter forma de responder a adversidades de modo autónomo. Obviamente que em casos extraordinários a ajuda internacional seria necessária, mas cessaria a necessidade de ajuda cíclica em cada cheia e em cada má colheita...

A ajuda internacional deveria funcionar não como uma corrente de dinheiro, mas como um canal de capacitação e de transformação de talentos e oportunidades. Há que empoderar os nativos, os que habitam a terra, ao invés de nos limitar-mos a enviar uns euros para o terreno. Se só deixamos dinheiro é normal que quando este acaba nos peçam mais.

Mas se em vez de dinheiro deixarmos capacidades, resiliência, inputs estruturais e colectivos, então a necessidade de pedir mais dinheiro vai-se esbatendo. E poderemos começar a ter mais países, como o Gana, a anunciar o princípio do fim da dependência da ajuda externa. A ajuda entendida como um instrumento, como uma ferramenta, pode ajudar-nos a sair do impasse em que África parece ter caído. Pois uma África capacitada é uma África mais autónoma, e portanto mais livre.

Ficam as sugestões... Que o Fidalgo vai ler mais qualquer coisita!


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