Ajudar não é viciar!

Publicámos hoje uma notícia no Observatório de Segurança Humana que me deixou com sentimentos mistos: agradavelmente surpreso mas reticente... Do Gana (país africano para os mais distraídos) chegam vozes que dizem que em 10 anos esse pequeno país africano talvez não precise mais de recorrer à ajuda internacional. Curiosamente no mesmo dia chegam ventos da Somália que falam na provável morte de dezenas de milhar de pessoas com fome...

E fiquei a pensar na questão da ajuda internacional e na sua eficácia... Sou um firme defensor da ajuda internacional, não faria outro sentido sendo Secretário Executivo do OSH, mas acho que a mesma precisa ser repensada de modo profundo. Repensada nos seus fundamentos, nos seus intentos e no seu financiamento. Parece-me óbvio que o actual modelo já esgotou os seus méritos.

E uso o exemplo somali para me justificar! A Somália é um dos grandes beneficiários da ajuda internacional e, curiosamente, um dos estados que regista menos progressos positivos. De ano para ano os relatórios são devastadores e notícias como a de hoje, que dão conta da possível morte de dezenas de milhar de pessoas com fome, não fazem a capa da maioria dos jornais de tão banalizadas que estão.

A ajuda internacional, até ao momento, é uma espécie de porquinho mialheiro... Estende-se a mão, recebe-se umas moedas, gasta-se, não se é responsabilizado pela forma como se gasta e volta-se a pedir mais uma moedinhas... E o ciclo não termina na maioria dos casos... É atenuado por vezes; minorado noutras; mas são raros os casos como o do Gana! E de excepções não se fazem regras.

É necessário agir com maior celeridade quando se torna óbvio que a ajuda internacional é mais uma ajuda ao financiamento das elites políticas, do que uma real ajuda aos destinatários originais. É necessário agir com celeridade quando o despotismo e o egoísmo político se sobrepõem a noções de bem estar comum e ao sentido mínimo de humanidade. É necessário punir em alguns casos e não fechar sempre os olhos só para aparecer bem na fotografia ou para expiar culpas do passado histórico!

Sim, a Europa errou no passado quando colonizou África. A Europa errou no passado quando estraçalhou África de esquadro e régua em punho sem uma visão humana, racional, crítica do que se fazia. O fracasso do continente Africano é parcialmente culpa europeia mas não é só culpa europeia... A descolonização não trouxe a paz, o desenvolvimento, o crescimento que se aludia. A África pós-colonial mostra mais vezes cores vermelhas sangue e negro fome do que durante o período de governação das várias administrações europeias que pulularam no continente...

E portanto não me parece justo que se olhe para a Europa com amor e devoção quando a ajuda internacional chega... Mas que se enxovalhe a mesma Europa, como se fosse um trapo velho e surrento, só porque a ajuda não vai chegar mais. Porque governos democraticamente eleitos e responsabilizáveis publicamente decidem mudar as prioridades do dinheiro. E numa fase em que o dinheiro é pouco responsabilizar quem utiliza a ajuda internacional pode destrinçar trigo do joio.

Ajudar deve ser entendido como um acto complementar, que depreende uma malha de acções políticas que irão ajudar a fortalecer resultados e a enrobustecer as áreas em que a ajuda se foca. Ajudar é fazer apenas parte do processo e não, como acontece hoje em dia, fazer todo o processo. Porque fazer tudo, sem responsabilizar as elites políticas locais, é criar um estímulo ao vício da irresponsabilidade e da ganância... É dizer: se não fizer nós faremos por si...

E isso, desculpem-me a franqueza, não é ajudar!

E, para não aborrecer o leitor, o Fidalgo fica-se por aqui.

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