Somos animais com memória... Mas animais...

Começo o post de hoje por aplaudir o facto do Parlamento ter aprovado uma petição pública que clamava o direito ao Sobreiro ser uma árvore nacional. O modo como o processo decorreu demonstra que o Parlamento funciona, é democrático, sabe ouvir os cidadãos e os eleitores... É pena, todavia, que não seja sempre assim... Mas fica o sublinhado de esperança.

E de Portugal vou para a França, onde hoje, para meu gáudio o parlamento francês aprovou uma lei que reconhece o genocídio dos arménios, nas mãos da Turquia de Ataturk, e que condena quem nega esse mesmo genocídio. A aprovação desta lei é um sinal extraordinariamente positivo, que se soma a uma pequena onda de "reparos" e "emendas" históricas a que temos assistido nas últimas semanas.

A 9 de Novembro o reino dos Países Baixos (vulgo Holanda) pediu desculpas pelo massacre de 1947, na Indonésia (então colónia neerlandesa), que vitimou mais de 150 pessoas. A 11 de Dezembro foi a vez do governo de El Salvador reconhecer os erros do passado, num pedido de desculpas sobre o massacre cometido em 1981, que colheu mais de mil almas, no decurso da guerra civil. E a 15 de Dezembro foi o governo da Guatemala a pedir perdão pelos erros sangrentos, da guerra civil de 1982.

Os pedidos de perdão dos governos e os reconhecimentos da Comunidade Internacional não eliminam o passado tortuoso da História da Humanidade, mas assinalam a existência desses mesmos erros e servem de sinalizadores para que não voltemos a incorrer em erros similares. A Humanidade, a condição Humana, é mais do que uma sopa genética altamente complexa. A Humanidade completa-se por processos mnésicos partilhados e vividos em comunidade.

O reconhecimento de um genocídio, com tantos outros por reconhecer, é um sinal positivo; de que queremos uma memória colectiva vigilante, atenta, capaz de contornar tentações similares em momentos de grande oportunidade. Os genocídios acontecem porque se considera o "Outro" como inferior, dispensável, ou mesmo como infeccioso e nefasto. Os genocídios desmarcaram a civilidade que Mozart, Kandinsky, Brâncusi, Corbusier e Pessoa nos legaram e revelam-nos o nossa essência animal.

Os genocídios são a prova da nossa imperfeição enquanto Ser humano. Somos o único animal que mata dentro da sua própria espécie, não por necessidade mas por convicções, ideias e ideologias. E por isso o reconhecimento francês é importante, para nos lembrar do animal que habita em cada um nós, e que deve ser depurado mas nunca esquecido.

A Turquia reagiu com espalhafato diplomático ao anúncio da votação, como aliás se fazia esperar. Mas a verdade é que sonegar factos, por causa de orgulhos e tricas de velhotas, não ajuda em nada a construção da História Humana. A iniciativa francesa devia estender-se, por exemplo, ao genocídio Circasse (ou Circassiano), cometido pelas mãos dos generais da Rússia Imperial e que negaram a um povo o direito a ter um país e o direito a serem aquilo que são hoje!

O genocídio Circasse (ou Circassiano) merecerá um post futuro para ser explicado, mas não preciso de mais do que umas linhas para dizer que Portugal pode, e deve, ter um papel primordial na luta dos direitos deste povo, espalhado pelo mundo e que apenas quer duas coisas: 1.) que reconheçam a barbárie cometida contra eles no século XIX; 2.) que a Rússia de Putin permita a construção de um estado Circasse, na terra que já foi deles. Afinal, porque têm os portugueses direito a Portugal? E os Circasses não têm direito à Circássia?

E o Fidalgo fica por aqui, por agora, para já...


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