Será uma questão de perspectiva? Ou simples cinismo?

A notícia que motiva o post de hoje, dá azo a que pense que chegámos ao momento da consumação das previsões de George Orwell, com o seu "1984". O autor falhou na data, mas a verdade é que o Big Brother que tudo vê (faz algum tempo) e, agora, tudo castiga nasceu ontem nos Estados Unidos da América. Ainda não me decidi se estou em choque, se estou em pânico.

Os EUA aprovaram uma proposta de lei que permite, por ordem presidencial, a detenção por tempo indefinido de pessoas sobre as quais recaiam fortes suspeitas de terrorismo. A lei, que carece agora da assinatura de Obama (o mesmo Presidente que fechou, para logo depois reabrir Guantanamo), dá ao presidente da Democracia timoneira do mundo Ocidental um poder imenso, ambíguo e perigoso.

Mais do que comentar a proposta de lei, que muito tem para ser dito, acho extraordinários os comentários de certos analistas políticos e de certos juristas, tanto em Portugal como lá fora. Dizem, alguns, que a medida se justifica pela "guerra ao terror". Dizem, alguns, que a medida consolida a estratégia Bush, mostrando que Obama não representou o corte que prometera na campanha, mas antes a sedimentação da estratégia que criticara pelo país fora.

E eis que penso... Uma medida igual aprovada por Alexander Lukashenko (Bielorrússia), por  Kim-Jong Il (Coreia do Norte), por Gurbanguly Berdimuhammedow (Turquemenistão), por Yoweri Museveni (Uganda), por Hugo Chavez (Venezuela) ou mesmo por Vladimir Putin (Federação da Rússia) seria considerada uma confirmação de uma tendência autocrática, autoritária ou totalitária. Seria uma grave ofensa aos países Ocidentais (e Ocidentalizados) de génese Democrática, que entendem ser este o único sistema viável no mundo...

Acho curioso como as perspectivas se alteram quando falamos dos Estados Unidos da América. De como encaramos como normal o parada infindável de check-ins e controlos feitos nos aeroportos do quintal de Obama. E de como reagimos mal, ao mesmo aparato no Irão ou na Federação da Rússia. Parece-me que a perspectiva encapota em si cinismo e na sua pior espécie: cinismo ignorante.

Urge tentar minimizar a lógica de um mundo com vários pesos, fazendo-se depender a análise da conjuntura nacional, regional e internacional mais do capital político e do crescimento económico do que da veracidade dos factos. Só um cinismo cobarde, disfarçado na capa da "perspectiva, justifica que a Angola tenha passado de mau exemplo para os transitólogos, para uma espécie de Meca de algumas correntes económicas e políticas.

Acho curioso, só a título de exemplo, que a Índia tenha assumido a desfuncionalidade do seu sistema político central (lembremos que a Índia é uma Federação, com governos regionais), mas que o Ocidente se tenha preocupado mais com a prisão do norte-americano que ofendeu o Rei da Tailândia, que de facto  merece respeito como figura de Estado que é (os bloggers devem entender que existem limites ao que se escreve e cada post publicado acarreta uma possível consequência).

Acho curioso que a violência na Síria e no Bahrain sejam condenadas pela Comunidade Internacional (e ainda bem que assim o é), mas que a violência promovida pelo estado de Israel (verdadeiro protectorado norte-americano) contra o projecto de estado Palestiniano (hoje reconhecido pela Islândia) seja perdoada. Acho intrigante as constantes (e legítimas) acusações de corrupção endémica aos estados da Sérvia e da Macedónia, mas a vista grossa feita ao Kosovo (outro protectorado norte-americano; aliás quase colónia).

Este tipo de fenómenos, que justificamos pelo uso da expressão "é uma questão de perspectiva", parecem-me estar mais próximos de um cinismo latente, do que de um posicionamento isento de estereótipos e de arquétipos mentais. E não digo com isto, que não caio no mesmo erro de quando em vez; caio, mas assumo o erro e tendo mudar. Fica o desafio do Fidalgo para que faça o mesmo.


Comments