E contemplo-a!

Contemplo-a!

Não tem a beleza plástica, irreal, comercial que alimenta escaparates e faz disparar flashes em cada esquina do mundo; mas tem um requinte natural, uma vida que se propaga pelo seu rosto que encandeia a aurora solar. E por isso, com uma naturalidade pouco natural, contemplo-a, como um fiel perante o altar do seu Deus.

Em cada ruga do seu rosto, acumula já 49, contam-se estórias que não fizeram História, mas que nela se alimentam e que a alimentam a ela, à História dos livros da escola. Em cada riso existem mais lágrimas, do que risos. Mais dor, do que amor. Mais sofrer do que sorrir. Em cada ruga esconde-se a chave do puzzle da sua beleza natural. E contemplo-a!

Os olhos, duas pequenas pradarias verdinhas, percorrem-nos a alma. Enquanto um sorriso, esbatido pelo tempo e pelo ardor de sacrifícios espiralados, nos conforta a alma mas inquieta o espírito. Um sorriso simples, quase desvanecido, que nos sussurra "não se preocupe", quando devia gritar "dói! dói muito! quero ajuda!" E a sua beleza duplica. E contemplo-a.

Dorme. E ao invés dos aforismos e clichés literários não tem o rosto sereno e os cabelos iluminados por raios de prata. Dorme inquieta; num sobressalto seu, que quer conter sem partilhar. Num sobressalto do qual se apossou, pois prefere o egoísmo da dor, à partilha do difícil. E no rosto intranquilo desenham-se contornos de uma beleza que as palavras só diminuem. E contemplo-a!

E nas palavras que saem trémulas... Menos firmes do que a dureza das provações que venceu. As palavras carregam dor, envoltas numa capeline de doçura e candura que nos conforto e nos distrai. Sentimos a sua doçura. Provamos o quente e o mel, ouvindo os fonemas que expele, e não nos preocupamos com o amargo de quem cozinhou as palavras. E contemplo-a!

As lágrimas não secaram, pois a fonte da sua beleza natural ainda brota. Essa fonte que se manifesta em todas as suas células e comuta o vulgar, o banal, o imperceptível, num festival de lustros etéreos e galas frugais onde é Rainha pela simplicidade e genuinidade de cada pequeno gesto. É Imperatriz deste mundo, e quando pensa que o Palácio Solar ruiu, levanta-se um Castelo Lunar. E contemplo-a.

Falo dela mas agradeço-lhe a si! Obrigado por um tudo que não me cabe em palavras!


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