Concordando com o Fado, e o (lamentável) fado do Acordo...

O Fado foi aprovado como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, reunida em Bali (Indonésia). O sucesso da candidatura adivinhava-se desde cedo, mas nestas coisas nada está garantido até ao momento da votação. E o Fado lá conseguiu seduzir os corações da Comissão, pois que, na verdade, nem todo o mundo vota.

Com o resultado da votação, cumpre-se a inesperada profecia das palavras cantadas por Mariza: "Nasceu de ser português / fez-se à vida pelo Mundo / foi pelo sonho vagabundo / foi pela Terra abraçado" (Fado Português de Nós, in: Transparente, 2005). Com o resultado da votação Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro, Carlos do Carmo e uma plêiade de fadistas conseguiram electrizar um povo com algo que não fosse futebol. Um feito notável!

A vitória da candidatura do Fado, na ascensão à lista do Património Imaterial da Humanidade (da UNESCO), é ainda mais saborosa se tivermos em atenção que nenhum país do espaço lusófono (aqueles países que mais facilmente podem entender a letra, que brota da sonoridade poderosa, intensa e vibrante dos Fadistas) teve direito de voto. É ainda mais necessária num momento em que nos esventram parte de Nós, com o menos acordado dos Acordos...

Oponho-me ao Acordo Ortográfico por imperativos irracionais, e não tenho problemas com isso. Oponho-me porque sinto a minha língua como minha e não abrirei mão, facilmente e sem luta, daquela que é a herança que me foi transmitida... Coisas de Monárquico talvez... Ou talvez não... O Acordo Ortográfico demonstra que quem o desenhou não é um "ensinador" da língua mas apenas um "estudioso" dos seus fenómenos, e isso faz toda a diferença.

E sim, eu sei que nos anos 1930 também se criaram forças de resistência ao acordo que mudou Cintra para Sintra e Pharmácia para Farmácia. Mas esse acordo apenas "afinou" a língua, apurou a correspondência entre a sonoridade e a escrita, mas não tentou plasmar na escrita, a oralidade. Em qualquer língua os registos oral e o escrito compõem-se de nuances, que dão vivacidade, originalidade e beleza a essa mesma língua... Porque razão na Língua Portuguesa terá que ser diferente?

A evolução na língua existe e lutar contra ela é uma inutilidade, mas a imposição da evolução transforma a língua em algo artificial. É isso que se quer? Desnaturalizar a língua? É que se a memória não me falha, para línguas artificiais, desprovidas do seu extraordinário e rico manto cultural, já temos o Esperanto e o código Morse. Já sei, sou um "velhinho do Restelo" que luto contra a evolução? Será que sou? Ou sou um defensor da evolução com legitimidade, com sentido, com nexo de causalidade...

Desde quando a evolução pela evolução provou ser frutuosa? Aposto que já se engasgaram alguns dos defensores do Acordo... E com esse engasganço me retiro, com um sorriso nos lábios...

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